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Neste verão, querem lá ver que há fitas! (Ladrão de casaca)

 



Nesta nossa série dedicada a fitas de Verão, falámos ontem do filme “O pecado mora ao lado”, cuja personagem principal é interpretada por Marilyn Monroe. Hoje vamos falar-vos da película “Ladrão da casaca”, cuja protagonista é a actriz Grace Kelly.

Não foi por acaso que ontem tivemos Marilyn e hoje temos Grace, foi sim porque apesar de ambas serem loiras, elas representam paradigmas opostos do eterno feminino.

O “Ladrão de casaca” foi realizado por Alfred Hitchcock, cineasta que sempre preferiu as loiras, mas isto apenas no que concerne aos seus filmes, pois na realidade foi toda a vida casado com uma mulher de negros cabelos, de seu nome Alma Reville.

Aparentemente Hitchcock era obcecado por sexo e sobretudo com loiras, todavia, e tanto quanto se sabe, foi sempre fidelíssimo à sua legítima esposa. Digamos que essa sua obsessão era platónica e manifestava-se única e exclusivamente no seu trabalho cinematográfico.

Pelos seus filmes passaram todas as mais célebres e fogosas loiras de Hollywood, gente como por exemplo Doris Day, Kim Novak, Ingrid Bergman, Eve Marie Saint e claro, Grace Kelly, que era de longe a sua favorita.


Neste momento muitos dos nossos leitores já estarão com toda a certeza perplexos, com efeito, se Hitchcock preferia as loiras e trabalhou com todas as mais famosas actrizes de Hollywood do seu tempo, o que é feito da mais célebre de todas elas, ou seja, da loiríssima Marilyn Monroe?

Na verdade, Hitchcock nunca quis trabalhar com Marilyn Monroe, achava-a competente e boa actriz, mas cria igualmente que tudo nela era demasiado óbvio. Acerca disso, disse o seguinte: “Nunca gostei muito de mulheres que usam o sexo ao pescoço como um enfeite. Acho que ele deveria ser descoberto. É mais interessante descobrir o sexo numa mulher do que este ser-nos logo atirado à cara, como o faz a Marilyn Monroe ou alguém desse mesmo tipo. Para mim, isso é um tanto ou quanto vulgar e óbvio.”

Nesse sentido, Hitchcock preferia para protagonistas dos seus filmes loiras mais discretas, daquelas que se vão revelando a pouco e pouco, “like Grace Kelly, who is very beautiful but looks rather cool until she gets down the business of sex. You get an extra dimension by the revelation, you see.”

Vejamos um exemplo do que Hitchcock pretendia dizer. Em o “Ladrão de casaca” Grace Kelly interpreta uma rapariga filha de boas famílias, sagaz, inteligente e bem comportada.

Grace vem passar as suas férias de Verão ao sul de França, a Monte Carlo, junto ao esplendoroso Mar Mediterrâneo. Acompanha-a a sua mãe. É aí que conhece Gary Grant, o protagonista masculino da película.

Neste entretanto, os dois combinam fazer um inocente passeio de automóvel seguido de um piquenique num bucólico local recolhido. É Kelly quem conduz a viatura.


O que nós espectadores imediatamente percebemos, é que a condução de Grace Kelly, para dizer o mínimo, é bastante atrevida. Não estávamos à espera que fosse tão audaz, dada a sua sensata aparência. Grant tenta não o demonstrar, mas o facto é que vai com o coração nas mãos.

Grant julgava estar a ser perseguido por um outro automóvel, e por assim ser, pergunta a Grace por qual razão iam tão devagar. Perante tal questão, a aceleração foi intensa e imediata, tendo por esse facto Grant tomado subitamente consciência de que Grace não era tão-somente uma filha de boas famílias e uma moça sagaz, inteligente e bem comportada, mas que tinha também algo de rebelde em si.

A destemida condução de Grace Kelly foi o modo que ela arranjou para se ir revelando a pouco e pouco a Gary Grant. Revelando-se no sentido em que Hitchcock o referiu e que voltamos a citar: “like Grace Kelly, who is very beautiful but looks rather cool until she gets down the business of sex. You get an extra dimension by the revelation, you see.”

Em resumo, a Grace não era uma mulher óbvia e até parecia “rather cool”, mas uma vez tendo pressentido o interesse de Grant, “she gets down the business of sex” e conduz como uma louca, revelando-se a pouco e pouco a cada curva e a cada travagem brusca. Gary não estava à espera de uma coisas destas. Aqui fica a cena completa:


Para que percebamos ainda melhor a distinção que Hitchcock faz entre a loira Marilyn Monroe e a loira Grace Kelly, nada melhor do que vermos uma outra cena de condução. Temos novamente Gary Grant, só que desta vez é ele quem conduz a viatura e, para além disso, tem ao seu lado não a Grace, mas sim a Marilyn.

A cena é de um filme de Howard Hawks, cujo título é “A culpa foi do macaco”. Se em o “Ladrão de casaca” com Grace a conduzir Gary se apresentava receoso e cauteloso, já tendo ao seu lado Marilyn, apresenta-se bravo e destemido. Em resumo, se com Grace nada era óbvio e Gary ia com cautela, com Marilyn não havia razões para hesitações, era pé a fundo e sempre a abrir.

No fim acabou por se espetar, mas isso é o que previsivelmente sucede quando um homem conduz à pressa e à toa, e não tem mãos suficientemente firmes para lidar com a viatura. Aqui fica a cena:


Voltemos agora a Hitchcock, que ao apresentar-se às suas loiras actrizes, tinha o costume de fazer uma gracinha, “Call me Hitch”, dizia ele, acrescentando de seguida, “without the cock”.

Em certo sentido, e mesmo sendo uma graça, o que Hitchcock assim anunciava a quem o quisesse compreender, era que a sua obsessão por loiras não envolvia “the cock”. Envolvia sim um trabalho artístico e criativo, no qual se falava de sexo sem nunca se falar desse tema, se não através de metáforas pouco óbvias e cujo significado só a pouco e pouco se ia revelando, e ainda assim apenas para uns poucos.

Alfred Hitchcock é considerado o maior mestre do cinema em história de suspense e de mistério, todavia e na verdade, não eram as narrativas dos filmes que o motivavam.

As histórias, os mistérios e o suspense eram apenas truques que ele usava para manter os espectadores interessados. Hitchcock sabia que o grande público dificilmente captaria o significado das suas finas e nada óbvias metáforas visuais. Sabia mais, pois sabia também que se fosse do conhecimento geral que os seus filmes resultavam da sua obsessão por loiras e sexo, o mais certo era o escândalo ser grande e ele acabar despedido dos estúdios de Hollywood.

Por saber tudo isso, Hitchcock inventou um conceito, o MacGuffin. Com este termo referia-se a um objeto ou a um acontecimento que servia de motor à narrativa dos seus filmes, mas que em si mesmo, era de pouca ou nenhuma importância.

Hitchcock utilizava os MacGuffin’s para manter o público envolvido na história e para explicar as ações dos personagens, no entanto, e como já todos terão percebido, não era de todo em todo esse o foco central das suas películas.

O foco central das suas películas, como é bom de ver, era loiras e sexo, mas isso era coisa que naquela época não se podia dizer.


Pouco temos falado neste texto a propósito da fita o “Ladrão de casaca”, contudo, tudo o que temos dito é acerca dessa película. O título original do filme é “To Catch a Thief” e a história, como já vimos, não interessa para nada, mas tem muito mistério e suspense e foi um grande sucesso de bilheteira.

Gary Grant interpreta um bon-vivant e ex-ladrão de jóias. É conhecido como o Gato, sendo o principal suspeito da onda de roubos desse Verão em Monte Carlo. Todos dele suspeitam, mas ele é inocente e para o provar parte atrás do verdadeiro culpado. Nisto conhece a bela Grace Kelly e decide utilizá-la como isco para prender o genuíno ladrão.

Como se vê a história não é nada de especial, o real interesse do filme é vê-lo como uma nada óbvia metáfora. Dito isto, e para terminarmos por hoje, uma cena clássica dessa película, que actualmente já toda a gente sabe o que nela se diz de uma forma implícita, mas que na época da estreia da fita ninguém imaginava.

Os céus de Monte Carlo enchem-se de fogo de artifício, dão-se sucessivas explosões, cada vez mais intensas, isto ao mesmo tempo que Gary e Grace se beijam. Dada a descrição, como os nossos leitores mais perspicazes já terão adivinhado, não é a pirotecnia aquilo a que essa cena alude…


E pronto, para a próxima teremos mais uma fita de Verão.

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