Não temos particular amor ao verão, muito pelo contrário, para nós é até um período de constantes tormentos. E é por assim ser, que por esta altura do ano nos enchemos de coragem e determinação para enfrentarmos o Verão e esperar pacientemente pelo seu fim, que acaba sempre por chegar lá por meados de Setembro.
Estamos em crer, que muitos dos leitores deste blog, terão tormentos equivalentes aos nossos, pois provavelmente também não gostarão desta quente estação, onde nada com graça, beleza e profundidade há para se fazer.
No resto do ano, uma pessoa pode ter belíssimos pensamentos metafísicos, ler profundos poetas trágicos, visitar graciosas exposições de arte conceptual e ver lindos filmes de cinema alternativo, porém, uma vez vindo o verão, tudo isso parecem ser actividades pesadas, demasiado complexas e densas, e portanto impróprias para o tempo quente.
O Verão parece ter sido concebido para o lazer, para se andar descontraído e despreocupado, e para a prática de actividades alegres, saudáveis e leves. Mas tal e qual como certamente muitos dos que nos lêem, também nós não gostamos desse tipo de actividades prazerosas, pois damos-nos mal com a banalidade, a ligeireza e a superficialidade que lhes são inerentes. Em resumo, somos finos.
Era o mais que faltava, que nos obrigassem a andar por aí de veraneio, bem dispostos, divertidos e a aproveitar a vida sem pensar em nada. Nós não gostamos disso, e se por acaso alguém a tal nos obrigasse, fazíamos uma fita.
Nós gostamos sim de fazer profundas reflexões filosóficas quando tristemente caem castanhas e folhas das árvores. Gostamos sim de ler poetas incompreensíveis em dias de intenso frio. Gostamos sim de contemplar obras de arte cujo significado é tão obscuro como o céu em noites de trovoada. E por fim, gostamos sim de entrar numa sala de cinema e ver um filme que nos põe a pensar no sem sentido da vida e no quão incerto é o destino, isto enquanto lá fora na rua um vento cortante e gélido sopra com força imensa.
Já em crianças embirrávamos com o Verão, fazíamos fita se nos propunham irmos para a praia ou comermos um gelado. Mas qual praia, mas qual gelado, o que nós queríamos era ler Schopenhauer e Kierkegaard sossegados, ou então ver na RTP o saudoso Vasco Granja a apresentar um filme de animação experimental proveniente da extinta Checoslováquia ou da martirizada Polónia.
No entanto, ler filosofia existencialista, era coisa que não se permitia às crianças dessa distante época durante o verão, dizia-se então que fazia mal aos olhos e ainda pior à mente. E quanto à televisão, dantes, no tempo quente, só passavam séries com temáticas ligeiras e superficiais, como por exemplo “O Verão Azul”.
Temos na cabeça aquela horripilante imagem da série “O Verão Azul”, onde se vê a miudagem alegre e satisfeita, toda contente da vida a passear de bicicleta num local não muito distante do mar. Para que eliminemos para sempre da nossa alma essa terrível cena, nada melhor que uma outra cena, mais concretamente, uma de uma antiga fita do místico cineasta sueco Ingmar Bergman.
Nessa cena, junto ao escuro e tétrico mar nórdico, vemos a negra Morte, que joga uma partida de xadrez com um melancólico cavaleiro medieval, o atormentado personagem principal da dita fita, cujo título original é “Det sjunde inseglet”.
Posto isto, tenhamos antes fé e esperança, pois este presente Verão já vai longo. Um terço dele já se foi, restando apenas um mês e umas quantas poucas semanas e depois pronto, acabou-se, temos de volta o doce outono.
Todavia, enquanto aguardamos ansiosamente pelo terno regresso da chuva e do frio e por o termo do estio, temos ainda por diante o fimzinho de julho e o abrasador agosto, mês no qual há uma multidão de gente de férias, pronta para andar toda divertida e descontraída a comer saladas, a lamber gelados, a torrar ao sol e a beber sumos frescos.
Dado ser este o contexto, para ultrapassarmos Agosto e não sucumbirmos ao Verão, necessitaremos de todas as nossas forças e de ser resilientes. Mas como o sermos?
Para quem tem um bom subsídio de férias, a solução é simples, ou seja, é rumar ao norte da Europa. Países como a Escócia, a Islândia, a Noruega, a Suécia ou a Finlândia, são nesta altura do ano bem fresquinhos e possuem abundante chuva e pouco sol, por consequência disso, são óptimos para quem não quiser sofrer os tormentos inerentes à canícula.
Para além do mais, tais países são também habitados por gente monótona e circunspecta, que de despreocupada, descontraída e divertida nada tem. É antes o oposto, são mais a atirar para o depressivo e para o macambúzio.
Abaixo uma imagem de um quadro do pintor norueguês Edward Much. Observem bem como as gentes não se divertem nem um poucachinho enquanto dançam. É uma imagem bem diferente das dos bailes existentes nas estivais Sunset Parties à beira-mar.
Nada tema quem nos lê, pois se porventura alguém não dispõe de verba para ir de viagem aos melancólicos países nórdicos, nós temos outros excelentes conselhos a dar-vos, que ficam bem mais em conta.
O nosso intento é fornecer-vos boas sugestões, de modo a que possam aguardar pelo fim do quente Agosto tranquilamente. Sugestões essas que, como é bom de ver, não incluem praias, gelados ou ingestão de saladas leves e frescas, e nem sequer sumos naturais, batidos de fruta ou cocktails tropicais. Se alguém, seja lá quem for, vos convidar para qualquer uma dessas coisas, recusem, sejam firmes, façam birra e façam fita.
É certo que a tarefa é hercúlea, pois por esta altura todos querem ir para a praia, fazer piqueniques com legumes, comer fruta da época, andar ao ar livre e fazer caminhadas pela tardinha, é difícil uma pessoa pôr-se à parte, no entanto, há que ter coragem e saber resistir a tudo isso, nem que para tal se tenha mesmo de fazer uma enorme fita.
Para o conseguir, é indispensável ter-se plena consciência que esse tipo de actividades destinam-se aos comuns veraneantes, não sendo portanto entretimentos próprios nem para nós, estes que aqui vos escrevem, nem também para vós, que aqui nos lêem. De facto, nós e vós, somos gente culta e letrada e não vulgares criaturas “que curtem passar o Verão no relax”.
Reparem bem na expressão “que curtem passar o Verão no relax”, é mesmo própria de quem nunca leu filosofia existencialista, nem contemplou arte conceptual ou viu cinema alternativo, em síntese, não é coisa que nem nós nem os nossos leitores dissessem, razão pela qual a colocámos entre aspas.
Abaixo uma fotografia de Martin Parr, em que se retrata alguém bem capaz de ser um daqueles personagens “que curtem passar o Verão no relax”.
Caros leitores, uma promessa solene, se por acaso acolherem as sugestões que aqui vos vamos dar, vão ver que o Verão passa num instante. Prometemos que num abrir e fechar de olhos acabam-se as férias e que Setembro rapidamente vos vai bater à porta.
Para vos darmos os nossos conselhos, recorremos a complexos e rigorosos cálculos matemáticos e geométricos. Pegámos num compasso e desenhámos um círculo, de seguida desenhámos um segundo círculo que se intersecciona com o primeiro.
Sendo que nós sempre fizemos fitas a propósito do Verão, no círculo inicial escrevemos a dita palavra fitas. No círculo subsequente, colocámos a palavra Verão. Posto isto, no espaço de interseção entre os dois círculos, surgiu-nos com a absoluta clareza matemática e geométrica, a expressão “fitas de Verão”.
A este nosso procedimento dá-se o nome de Diagrama de Venn.
E é pois isso o que vamos fazer leitores, o que nos ditou o Diagrama de Venn, ou seja, durante o período que agora se inicia e vai até ao fim de Agosto, vamos sugerir-vos filmes cujo denominador comum é terem como temática central o Verão.
Todas as películas que selecionaremos são clássicos absolutos, que poderão ser facilmente encontrados nas diversas plataformas digitais e nas TV’s, quando não nalguma sala de cinema próxima de si. Se soubermos onde a fita está disponível, informaremos quem nos lê.
Mas não nos vamos limitar a sugerir os títulos, vamos também aqui efectuar profundas e complexas reflexões sobre cada um desses filmes, e isto de modo a que quem nos lê possa pensar longamente nas suas intrincadas narrativas e nos seus insondáveis significados, concentrando-se por essa via no Verão cinematográfico e olvidando o Verão real.
É de crer, que lendo-nos, os nossos leitores fiquem absortos, perplexos e quiçá até aparvalhados, e desse modo se esqueçam totalmente de ir à praia, de comer saladas frescas, de chupar gelados ou de deglutir sumos de fruta. Vai na volta, regressam mais brancos das férias de que quando as iniciaram.
E pronto, fica dito, amanhã iniciaremos este novo ciclo e depois todos os dias dedicaremos um texto a uma fita cujo tema é o Verão. Se não for todos os dias, será dia sim dia não, ou então de três em três dias. Vamos lá ver, é conforme nos apetecer, a bem dizer estamos de férias e não temos de andar a toque de caixa com horas marcadas e prazos para cumprir.
Afinal de contas o que é isto? Não andamos a mando dos leitores, escrevemos quando queremos e pronto, e se porventura quisermos comer um gelado ou a ir a banhos também vamos e ninguém tem nada a ver com isso. Esta agora…
Bom, por hoje ficamos por aqui, como o prometido, para a próxima teremos a primeira das fitas de Verão.
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