Nós adoramos Portugal, nisso somos como os nossos melhores poetas e escritores, como por exemplo o Camões, que nos Lusíadas escreveu assim: “Esta é a ditosa Pátria minha amada”.
Almeida Garrett, à sua maneira, também tinha especial carinho por Portugal, facto que se comprova pela descrição que fez da lusitana nação: “O país é pequeno e a gente que nele vive também não é muito grande”.
Um outro autor que declarou o seu amor à nossa pátria, foi o romancista António Lobo Antunes: “Eu gosto desta terra. Nós somos feios, pequenos, estúpidos, mas eu gosto disto.”
E que dizer de Teixeira de Pascoaes, autor do livro “A Arte de Ser Português”, no qual ele diz que “Deus e o demónio são incompatíveis em toda a parte, excepto em Portugal”.
Nós somos portugueses, mas também passageiros habituais do metropolitano de Lisboa, e por isso podemos dizer com absoluta certeza, que desde há largos anos, que não há dia algum, em que no metro não haja avarias, transtornos, interrupções, alterações e atrasos.
Na senda de Camões, Garrett, Pascoaes e Lobo Antunes, também nós vamos fazer uma profunda e terna afirmação sobre este nosso país, aqui vai ela: “O metropolitano de Lisboa é uma metáfora de Portugal”.
Entre-se numa qualquer estação de metropolitano pela manhã ou ao fim do dia, e é certo que vamos ouvir diversas vezes uma voz a debitar ao microfone a seguinte cantilena, em inglês e tudo: “At the moment, it is not possible to predict the duration of the interruption, which could be prolonged. We thank you for your understanding.”
No entanto, não são apenas as carruagens que com inusitada frequência não circulam, pois as escadas rolantes e os elevadores do metropolitano também estão constantemente avariados.
Fazendo uma breve pesquisa na internet, descobre-se imediatamente inúmeras notícias recentes de estacões do metro nas quais as escadas rolantes e os elevadores estão há muito paralisados. Todavia, descobre-se mais, ou seja, que a situação é crónica.
Já em 2011, veja-se bem, havia notícias que nos davam conta disso mesmo, aqui fica uma a título de exemplo:
Contudo, não é tão-somente o metropolitano de Lisboa que não funciona, pois a verdade é que faz parte da nossa identidade nacional, que as coisas não funcionem.
Basta abrir as TV´s à hora dos noticiários, para termos uma série de relatos que nos dão conta de urgências hospitalares que não funcionam, de tribunais que não funcionam, de serviços que não funcionam e de muitas outras coisas mais que também não funcionam.
Durante a presente semana, foi a entrega das notas às escolas relativas aos exames do 9º ano que não funcionou, isto devido a dificuldades técnicas e a novos processos de classificação, poder-se-ia dizer acerca disso, “We thank you for your understanding”.
“Vender Portugal é fácil. Difícil é explicar porque é que não funciona”, foi esta a síntese que o Jornal Económico fez da conferência Advisory Summit 2025, que decorreu há dias e cujo objectivo era captar investimento estrangeiro cá para a nossa terra.
Que não haja equívocos, nós não estamos a lamentar-nos por Portugal não funcionar, muito pelo contrário, consideramos até que essa é das mais belas e nobres tradições da nossa nação, uma que urge acarinhar e preservar.
Como dissemos no início deste texto, nós adoramos Portugal e queremos que ele fique sempre na mesma, igual a si próprio, ou seja, sem funcionar.
Veja-se por exemplo o que sucedeu com a maioria das mercearias tradicionais. Dantes, ia-se a uma mercearia e ou bem que estava fechada a horas em que era suposto estar aberta, ou bem que não tinha os produtos que queríamos adquirir. Hoje em dia, sendo as mercearias geridas por gente vinda do Paquistão, do Bangladesh ou de Nepal estão sempre abertas e possuem os produtos que pretendemos comprar. Está mal.
Significa isto que as mercearias agora funcionam, donde se concluiu que estamos a ser invadidos por outras culturas e por gente que não respeita os nossos hábitos de sempre. A continuarmos assim, qualquer dia até as escadas rolantes e elevadores do metropolitano vão passar a funcionar. Não pode ser, nós adoramos o nosso Portugal que não funciona.
Em síntese, o que todos queremos é um Portugal onde nada funcione, e mesmo que oiçamos lamentos e queixumes de que por cá as coisas não funcionam, isso não significa que alguém queira verdadeiramente que estas passem a funcionar. Era até uma pena se funcionassem, pois nós por cá também gostamos bastante de nos queixarmos e lamentarmos.
A nossa psique nacional opera da seguinte forma, o típico português observa, observa muito, tal e qual como fazem as velhas à janela. Não há um bom português que não diga de si mesmo que é um excelente observador. O português observa atentamente para verificar o que está mal e não funciona, isto para depois poder fazer as suas extensas e profundas críticas, acompanhadas de lamentos e queixumes.
No entanto, todos esses lamentos, críticas e queixumes, no fundo mais não são do que apaixonadas declarações de amor à pátria.
Por estarem constantemente a observar e a perorar sobre o que tão longamente observam, não é de espantar que aos portugueses pouco ou nenhum tempo lhes sobeje para agir e corrigir o que está mal ou não funciona. Nem isso valeria a pena, pois se as coisas funcionassem, como nos iriamos nós entreter?
Ruy Belo escreveu um poema onde surge um célebre verso: onde dizia que o seu país é o que o mar não quis. O poema é longo e inicia-se com a seguinte estrofe:
“No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça”
Se o início do poema é melancólico, o final não o é menos. Aqui fica a última estrofe:
“A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer"
Há duas formas comuns de se ser português, uma é falar-se sempre mal de tudo e de todos, a outra é nunca se falar bem de ninguém.
Foi provavelmente por tais razões que o mar não quis este país, pois caso o tivesse querido, o mar seria um oceano de lamentos, críticas e queixumes, onde nada funcionaria. Ora bem que água estava fria, ora bem que a maré estava baixa, ora bem que a corrente estava forte, ora bem que…
Veja-se a esse propósito, o caso do Metropolitano de Lisboa. Os administradores culpam os trabalhadores por andarem sempre em greves e pela falta de produtividade, já os trabalhadores acusam os administradores de não atenderem às suas reivindicações e de não lhes darem boas condições para exercerem as suas funções. Todos se queixam de todos e é assim há anos, tendo a empresa tido 57.1 milhões de euros de prejuízo em 2020, 21.1 milhões de euros em 2022 e 19.8 milhões de euros em 2024.
Neste entretanto, as carruagens não passam, os elevadores não sobem e as escadas rolantes não rolam, todos se lamentam, se queixam e criticam e tudo permanece continuamente na mesma. Em resumo, uma metáfora perfeita de Portugal, “We thank you for your understanding”.
Mas dito isto, e como já fomos repetindo ao longo deste nosso texto, nós adoramos este Portugal onde nada funciona, pois é um local tranquilo e confortável, no qual não é preciso fazermos nada. É só ir-se deixando andar, pois se porventura as coisas não funcionam, a culpa há de ser dos outros.
Não é invulgar que os portugueses critiquem, se lamentem e se queixem por Portugal ser um país atrasado, porém, esses mesmos portugueses nunca chegam a horas e raramente cumprem prazos.
Noutras nações, as pessoas relacionariam o facto de um país ser atrasado, como sendo uma provável consequência dos sucessivos atrasos dos seus próprios cidadãos, mas isso será noutros países, não neste.
Em Portugal nunca chegar a horas nem cumprir prazos é uma inquestionável demonstração de bom senso. Por cá não é a justiça que é lenta, não são as urgências hospitalares que demoram horas, nem são os transportes públicos que se atrasam, nem alguém que combina às dez e aparece às onze, tudo isso é tão-somente culpa do tempo, que insiste em passar cada vez mais depressa.
Para finalizarmos esta nossa ode à nossa adorada pátria, nada melhor do que um poema de Jorge de Sena. Um que se intitula “A Portugal” e que se inicia citando Camões. Um poema que é também ele uma inflamada declaração de amor à lusitana nação, ou não. Caso não, “We thank you for your understanding”.
“Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.
Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fátua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merd… o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço.
És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não”
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