O título do nosso último texto neste blog era “Team building à portuguesa…é a mesa!”.
Vamos agora continuar essa nossa profunda reflexão sobre as actividades de Team building. Se alguém porventura quiser ler o texto anterior, pode fazê-lo em https://ifperfilxxi.blogspot.com/2025/07/team-building-portuguesae-mesa-1-parte.html
Um ponto importante a ter em conta antes de iniciarmos este nosso processo reflexivo, é que o Team building divide-se em vários tipos de actividades, isto consoante os objectivos a atingir.
Fomos estudar e descobrimos os seguintes cinco tipos: Jogos quebra-gelo, Jogos de resolução de problemas, Jogos para fortalecer o espírito de equipa em ambientes fechados, Exercícios para fortalecer o espírito de equipa ao ar livre e Jogos para fortalecer o espírito de equipas remotas ou virtuais.
Verificando no que consistem este cinco tipos de actividades de Team building, há uma conclusão óbvia a retirar, a saber, que quando o Team building não é à portuguesa, não se desenvolve à mesa.
Com efeito, o Team building à portuguesa consiste essencialmente na ingestão de uns aperitivos para abrir o apetite, a que se seguem uns petiscos para se fazer peito, complementados pelo prato principal, que tanto pode ser uma sardinhada ou uns frangos assados, e lá mais para o fim da refeição, uma sobremesa e uns digestivos para assentar, sendo que, nada disto está previsto nos cinco tipos de actividades que referimos.
Ponhamos então que nestes cinco tipos de actividades de Team building não se come, coisa que já de si levanta um problema, pois como todos sabemos, na nossa amada pátria come-se em toda e qualquer ocasião.
Há um baptizado e come-se, vai-se a um casamento e come-se, no Natal ou na Páscoa come-se, nas festas de aniversário come-se, um grupo de antigos amigos reencontra-se passados uns anos e o que vão fazer é comer, os grandes negócios fazem-se à mesa e, para além disso, há ainda o piquenicão e outras coisas que tais.
Há de ter sido algo de absolutamente inédito e só possível em Portugal, que uma ponte tenha sido inaugurada com uma comezaina que se estendeu por vários quilómetros, no entanto, foi isso mesmo o que sucedeu, aquando da inauguração da Ponte Vasco da Gama.
As autoridades nacionais de então pensaram e chegaram à acertada conclusão, que uma mega feijoada era a melhor forma de celebrar a maior obra pública do estado português em décadas. Claro está que o bom povo participou entusiasticamente na festança.
A inauguração da Ponte Vasco da Gama foi um momento de Team building nacional, onde as gentes se reuniram para dar ao dente. Vieram de norte a sul do país e a pátria sentiu-se unida, e mais uma vez se provou, que em Portugal para se construírem grandes equipas, é preciso que todos estejam de barriga cheia.
Nenhum dos cinco tipos de Team building que já referenciámos inclui comida, o que significa que tais actividades poderão ser muito interessantes e eficazes no estrangeiro, mas por cá estão destinadas ao fracasso. Em Portugal quando não se come nada, a coisa corre mal, já quando se come, há paz e harmonia.
Vejamos uma outra peculiar situação, que nos demostra perfeitamente que é com paparoca que os portugueses se unem. Durante onze meses do ano os clubes de futebol disputam o campeonato nacional e defrontam-se uns com os outros. Não raras vezes, ao longo desse tempo, os adeptos envolvem-se em confrontos e escaramuças, sendo frequentes as intervenções das forças policiais. Depois chega junho, e a época termina com a final da Taça de Portugal no Estádio do Jamor.
À final da taça chamam-lhe a festa do futebol, e o certo é que raríssimas vezes existem problemas ou confrontos. Tirando um ou outro caso muito pontual, no Jamor os adeptos de diferentes clubes convivem alegremente e em paz. Ou seja, durante o resto do ano digladiam-se e ofendem-se, contudo, chegam à final da taça e coexistem todos como se fossem “best friends forever”.
A pergunta que se impõe é esta: mas o que tem a final da taça de diferente? A resposta é só uma: comida. Com efeito, no dia da final da taça são imensos os que logo pela manhã vêm com enormes panelões, com quilos de enchidos, com as melhores carnes e com garrafões cheios, para participar na festa do futebol.
Ora bem, a conclusão é evidente, mesmo adeptos rivais e que se guerreiam durante o ano inteiro, quando se sentam à mesa para comer ficam em paz e dão todos ao dente simultaneamente, como uma equipa bem afinada.
Aqui chegados, cremos que já é por demais evidente, que a melhor forma de construir sólidas equipas de trabalho e de levar algo a cabo em Portugal. é a mesa, a comer.
As autoridades portuguesas da nossa época parecem ter perdido esta noção, pois caso contrário, o novo aeroporto internacional de Lisboa há muito que estava feito. Era só convocar todo o bom português para um mega piquenicão e a coisa fazia-se num instante. Uns levavam alcatrão para fazer as pistas de aterragem, outros tijolos, fios eléctricos e maquinetas para erguer a torre de controle, outros tantos traziam cadeiras para equipar as salas de espera, e por fim os restantes traziam bifanas, entremeadas, salpicão, bebidas e umas sobremesas, e num fim de semana tínhamos um aeroporto de categoria, que havia de fazer inveja aos países mais ricos do mundo.
Aqui fica um mapa, para quem queira ter umas dicas sobre quais são os víveres mais adequados para uma sessão de Team building nas várias províncias e regiões do país.
O problema dos tempos de agora, é que há muito quem se tenha esquecido, que o Team building à portuguesa é à mesa e, por consequência disso, queira construir equipas de trabalho com base em jogos e exercícios que só funcionam bem no estrangeiro.
Mas dito isto, vamos lá verificar como funcionariam por cá esse tipo de actividades de Team building, nas quais a comida não está presente.
Na nossa perspectiva, em Portugal, não havendo comida sobre a mesa, esta acabaria por ressurgir de forma subliminar, ou seja, não estaria realmente presente, mas manifestar-se-ia como um desejo latente, cujos efeitos se fariam sentir a um nível subconsciente.
No fundo, seria uma situação quase freudiana, ou seja, a ausência de comida provocaria um desejo latente pela sua presença, e ainda que esse desejo não fosse plenamente consciente, manifestar-se-ia. Por consequência disso, dar-se-ia aquilo que Sigmund Freud designava como um fenómeno de transferência.
Em psicanálise, transferência (ou Übertragung, em alemão) refere-se ao processo em que o paciente inconscientemente transfere sentimentos, desejos e padrões de relacionamento das suas experiências passadas, para uma outra pessoa ou situação.
Vamos a um exemplo, comecemos pelos Jogos quebra gelo, que segundo os melhores especialistas são perfeitos para que colegas de equipa que já se conhecem há muito tempo, aprofundem o conhecimento mútuo. Segundo os mesmos especialistas, são também jogos muito divertidos.
Fomos ao catálogo e escolhemos um jogo para “quebrar gelo”, que consiste em contar duas verdades e uma mentira sobre si próprio, sendo que, os restantes participantes ouvem e terão de descobrir qual das três alocuções proferidas é a falsa. Aparentemente este é um dos jogos mais populares em sessões de Team building.
Imaginemos então que estamos por exemplo numa secção de uma qualquer empresa, durante uma sessão de Team building em que nada existe para se comer. Neste caso, são quatro os elementos participantes: o Silva do armazenamento, o Santos, que é o analista de projectos, o Fernandes que é assistente de vendas e o Antunes que é contabilista.
Incentivado pela dinamizadora da sessão de Team building, o Antunes da contabilidade dá início ao jogo, dizendo três coisas de si próprio, sendo que os seus colegas terão de descobrir qual delas é falsa.
O Antunes leva a actividade a sério e diz o seguinte:
- Já comi a mulher do Silva, comi também a mulher do Santos, e ando ver se consigo comer a mulher do Fernandes.
O Silva, o Santos e o Fernandes ficarão certamente surpreendidos com a frontalidade revelada pelo seu colega, e não se eximirão de dar a sua mais sincera e sentida opinião, quebrando desse modo o gelo existente.
Vai daí, o Fernandes diz: “Ai que temos o caldo entornado”. Já o Santos afirma o seguinte: “Ah meu grande imbecil, comigo estás feito ao bife”. Por fim, também Silva se manifesta: “Estou como os azeites, segurem-me que eu desfaço-o. Ponho-te a cara num bolo”.
O sarrabulho foi grande, o chinfrim ouviu-se por todo o lado, e a dinamizadora da sessão de Team Building, constatando o molho de brócolos em que estava metida, gritou por auxílio. Acabaram por vir colegas de outras secções para acudir à situação e acalmar os ânimos.
A lição a retirar desta sessão de Team building, é a de que o verbo comer se impôs como o grande tema de conversa. Não havia nenhum produto alimentício presente, mas ainda assim, e de um modo subliminar e subconsciente, acabou por ser o verbo comer que marcou decisivamente esta sessão de Team building.
O que isto nos diz, é que caso não exista nada que se coma numa sessão de Team building, dar-se-á um fenómeno de transferência no sentido freudiano do termo e o latente desejo de comer vai manifestar-se sobre uma outra forma.
Existem também actividades de Team building cujo objectivo é a resolução de problemas em equipa. Uma dessas actividades designa-se pelo original nome de “Ideias num guardanapo”.
Divide-se a equipa em grupos de duas a quatro pessoas e dá-se-lhes uma variedade de problemas em aberto. Poderão ser problemas relacionados com o trabalho, dificuldades fictícias ou até mesmo problemas ambientais. Cada equipa recebe um guardanapo e uma caneta para escrever qual a solução para o problema selecionado e depois discute-se a questão em grupo.
O pressuposto desta actividade, dizem os especialistas nesta área, é de que algumas das melhores ideias da história da humanidade começaram por ser escritas num guardanapo.
Imagine-se então um grupo constituído pela Manuela, pela Gabriela e pela Florbela, todas trabalhadoras na mesma empresa de import-export. Inicia-se a sessão de Team building. O grupo decide dedicar-se a resolver um problema, mais concretamente, o da falta de produtividade da empresa.
A Manuela começa por dizer o que escreveu num guardanapo: “Se certas pessoas não andassem a pisar ovos, era capaz de se resolver o nosso problema”. Ao que Gabriela responde de modo indignado: ”Logo tu que és um pastel, é que dizes isso”.
E dito isto, a Gabriela até se esquece de dizer o que escreveu no seu guardanapo. A Florbela também dá o seu contributo para a resolução do problema e diz-lhes que “Talvez se resolvesse a situação se ambas não fossem farinha do mesmo saco.”
O que se verifica, é que com esta sessão de Team building sem comida, as referências alimentares são mais que muitas, o que nos indica, que também neste caso estamos perante uma situação de latentes desejos inconscientes.
Poderíamos multiplicar os exemplos, mas cremos que o nosso ponto está demonstrado, sem ser à mesa, as actividades de Team building têm tendência a acabar mal, com cada um a puxar a brasa à sua sardinha e a mandar à fava os restantes elementos da equipa de trabalho.
Isto em Portugal é pão pão, queijo queijo, e a conclusão é a mesma de sempre, quem não é de comer, não é de trabalhar...
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