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Neste verão, querem lá ver que há fitas! (Um Verão de Amor)


Continuamos hoje a nossa série de textos dedicados a fitas de Verão. Uma série que se prolongará até ao final de Agosto. Este já vai ser o nosso sexto texto, sendo que neste entretanto já falámos de películas tão divertidas como por exemplo “O Pecado mora ao lado”, “Querido Diário” ou “A Ultrapassagem”. Para equilibrar as coisas, falemos agora de um filme altamente depressivo, “Um Verão de Amor”, uma obra do sueco Ingmar Bergman,

Há quem seja bastante preconceituoso e faça generalizações sobre as gentes provenientes de outras nações. É isso o que sucede, quando nos referimos aos povos escandinavos e aos suecos mais em concreto. Com efeito, não raras vezes ouve-se dizer que a malta da Suécia é pouco dada, muito circunspecta e metida consigo mesma, que é uma gente fria e desapaixonada e, para o cúmulo, que são também bastante depressivos.

Toda esta caracterização do povo sueco nasce tão-somente de preconceitos e mais não é do que uma generalização. Dito isto, nós, os que aqui vos escrevemos, estamos profundamente convencidos de que os suecos e restantes nórdicos são mesmo assim, correspondem ao preconceito, ou seja, são tristes e retraídos, e constantemente mergulhados em fundas, inúteis e irresolúveis angústias existenciais.

Em conclusão, digamos que as gentes do extremo norte da Europa, não são propriamente exuberantes, comunicativas, divertidas e bem-dispostas, muito pelo contrário.

Se alguém duvida de tal asserção, é ir ler os dois maiores clássicos da literatura nórdica, o sueco August Strindberg (1849-1912) e o norueguês Henrik Ibsen (1828-1906), para ficar completamente esclarecido.

Estes dois autores são símbolos patrióticos das nações nórdicas, ou seja, são o equivalente ao que Shakespeare é para os britânicos, Cervantes é para os espanhóis, Dante para os italianos e Camões para os portugueses. Significa isto, que esses povos se revêem nas fundas angústias desses autores, e por isso os adoptaram como representantes das suas nações.

Vejamos abaixo uma foto de Ibsen, só para que quem não o leu possa intuir pela imagem qual o estilo do homem.


Mas pensemos também no mais célebre dos artistas nórdicos, o famoso pintor de “O Grito”, de seu nome Edward Munch (1863-1944). “O Grito” tornou-se um ícone a nível mundial, pois é uma representação única das angústias existenciais que assolam a humanidade, contudo, Munch realizou muitas outras obras, como por exemplo, uma em que retrata um alegre passeio das gentes ao ar livre, durante um domingo de Verão.

Como seria previsível, para o título desse quadro que retrata um momento de lazer da população, escolheu a palavra Angst, que traduzida para português significa Ansiedade.


Mas sendo esta nossa série de textos dedicada a fitas de Verão, deixemos a literatura e a pintura e vamos antes ao cinema. Não é preciso pensar muito, para se dizer o nome do maior dos cineastas nórdicos, o sueco Ingmar Bergman.

Mesmo quem nunca viu uma película sua, sabe que o seu nome é sinónimo pelo mundo inteiro de filmes introspectivos e depressivos, temperados com muitas angústias existenciais.

Talvez o melhor exemplo disso mesmo, seja o filme de 1973, “Cenas da Vida Conjugal”. O tema da fita resume-se num instante, trata-se de um retrato frio e despudorado de um casal, ambos com cerca de 40 anos, com duas filhas, e perfeitamente estável, quer em termos pessoais quer profissionais, ele é professor, ela advogada.

Quem os vê de fora, considera-os um casal perfeito, mas nós, os espectadores, vêmo-los na intimidade. Vemos as recriminações mútuas, o chorrilho de insultos, as acusações e frustrações e, uma vez visto tudo isto, acabamos por concordar com a frase que um dos personagens profere: “não há nada mais horrível que um marido e uma mulher que se odeiam”.

O filme tem 2h40m, mas foi passado nas TV’s nórdicas em forma de série, seis episódios com a duração conjunta de 4h40m. A série teve um sucesso tremendo, mas teve também um efeito inesperado. As estatísticas oficiais confirmam que nesse ano houve um inusitado aumento do número de divórcios nos países onde a série foi exibida. Na verdade, os números subitamente duplicaram sem outra razão aparente, que não fosse a exibição televisiva de “Cenas da Vida Conjugal”.

“Cenas da Vida Conjugal” só estreou em Portugal na segunda década do século XXI e sem grande sucesso. Os casais nacionais não são gente muito dada a perder tempo com complexas angústias existenciais e com retorcidos estados depressivos, desde que haja comida na mesa e se jante a horas, isso é que importa, o resto tarde ou cedo logo se resolve.


Cremos que com este intróito em que falámos de Strindberg, Ibsen, Munch e Bergman, já demos o tom para agora falarmos da fita, que no início deste texto anunciámos, “Um Verão de Amor”.

A avaliarmos pelo título, “Um Verão de Amor”, dir-se-ia que se trata de uma película romântica, semelhante a inúmeras outras, que têm o tempo quente como cenário idílico para as suas narrativas amorosas.

O filme é de Ingmar Bergman, foi realizado em 1951 e o seu título original em sueco é “Sommarlek”. Maioritariamente a história desenrola-se no belo arquipélago ao largo de Estocolmo, um sítio com belas ilhas, um lindo mar e uma luz esplendorosa.

Claro que tal local nada tem a ver com os trópicos, são ilhas, mar e luz de um tipo diferente, não “caliente” mas sim de uma beleza mais assim para o poético e metafísico.


Na foto acima, vemos os dois personagens principais, Marie, uma bailarina clássica, e Henrik, um jovem estudante. São eles que vão viver um verão de amor nas pequenas ilhas do arquipélago ao largo de Estocolmo.

Conhecem-se na viagem de barco, aquando do momento em que partem para férias. Imediatamente se apaixonam um pelo outro, para ambos, é o primeiro amor. A partir desse momento vão passar dias e dias juntos, perto de enseadas, percorrendo falésias e banhando-se nas frescas águas do mar do norte.

Aqui fica a cena, em que após a curta viagem de Estocolmo para o arquipélago, se voltam a reencontrar num lago.



Jean-Luc Godard, o maior dos cineastas franceses, disse um dia assim “Sommerlek est le plus beau des filmes”. Nós não sabemos se “Um Verão de Amor” é efectivamente o mais belo dos filmes, mas sabemos sim que belo é-o certamente.

Na larguíssima maioria dos filmes em que se conta a história de um amor de verão, a coisa acaba mal, pois uma vez terminado o estio, vai cada um para seu lado e passado um tempo o que resta são apenas recordações.

É esta a estrutura narrativa cinematográfica clássica, com que Hollywood e depois muitos outros, contam os amores de verão, só que sendo Ingmar Bergman sueco, a história não só acaba mal, mas termina de uma forma depressiva, quando vista da perspectiva dos espectadores, e trágica quando vista da perspectiva dos personagens.

Marie e Henrik vivem dois meses de felicidade, todavia, restam-lhe apenas três dias de férias. Ao contrário dos habituais amores de verão cinematográficos, para Marie e Henrik o amor não é fugaz, não se desfaz com o fim do tempo quente. Marie e Henrik regressarão a Estocolmo mas continuarão juntos pelo outono, pelo inverno afora e sabe-se lá até quando.


Não fossem Marie e Henrik suecos, a sua história poderia ter tido um final feliz, porém, sendo-os, o fim foi soturno. Henrik saltou para o mar descuidadamente e embateu violentamente numa rocha. Ainda o conseguiram levar para o hospital, mas o acidente acabou por ser fatal.

O filme “Um Amor de Verão” inicia-se com Marie, já passados uns anos do fatal acidente. Toda a película é um imenso flashback, em que ela recorda os seus dias de outrora nos quais foi feliz com Henrik.

Marie revive esse episódio da sua juventude que marcou para sempre a sua vida, numa bela evocação poética do amor, da memória e da dor da perda com o verão sueco como pano de fundo.

Significa isto, que quando vemos Marie e Henrik felizes passeando-se por entre lagos, florestas e ilhas, já sabemos que esses são fugazes momentos de felicidade, que no final tudo terminará de forma fatal. Desse modo, como um bom sueco, Bergman faz-nos sentir que a felicidade é breve, que mais não é do que uma efémera ilusão.

Ao contrário de Bergman, nós estamos capazes de apostar que a felicidade é eterna, por breve que seja. Aqui fica um curto minuto, em que se vê Marie Henrik para sempre felizes por entre as ilhas do arquipélago ao largo de Estocolmo.


E pronto, terminamos aqui mais uma fita de Verão, um filme belo e eterno. Em breve outros virão, aqui, neste blog.

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