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Neste verão, querem lá ver que há fitas! (As Donzelas de Rochefort)

 


E eis que chega o Verão a Rochefort, uma pequena localidade estival francesa junto à costa atlântica. Em Rochefort vivem Delphine e Solange, duas irmãs gémeas que dão aulas de dança e música a crianças. Ambas ambicionam ir um dia para Paris e viver na grande cidade.


Continuamos a nossa série de textos dedicada a fitas de Verão, hoje com o filme “Les Demoiselles de Rochefort”, película realizada em 1967 por Jacques Demy, e protagonizada por Catherine Deneuve (Delphine) e pela sua irmã Françoise Dorléac (Solange).


Significa isto que Delphine e Solange eram irmãs na fita, mas as actrizes que as interpretavam, Catherine Deneuve e Françoise Dorléac, também o eram na vida real.


“Les Demoiselles de Rochefort” é um filme que irradia alegria e felicidade, adivinha-se que o realizador, as actrizes e os demais elementos da equipa, estavam em estado de graça. Todavia, passado pouco tempo do filme estar terminado, Françoise Dorléac faleceria vítima de acidente de automóvel com apenas 25 anos de idade.


Em certo sentido, “Les Demoiselles de Rochefort” é o testemunho de um tempo ido em que todos eram felizes, mas não o sabiam.



O filme é um musical e logo no seu início, Delphine e Solange apresentam-se com uma canção. Dizem-nos que são irmãs gémeas do signo de Gémeos (Nous sommes deux soeurs jumelles, Nées sous le signe des Gémeaux).


Depois fazem-nos saber que a sua mamã de tudo se privou por elas e trabalhou arduamente para que estudassem e fossem eruditas, razão pela qual, vendeu petiscos num bistrot a vida inteira (Nous fûmes toutes deux élevées par maman, Qui pour nous se priva, travailla vaillamment, Elle voulait de nous faire des érudites, Et pour cela vendit toute sa vie des frites).


Para que tenhamos um retrato mais completo, dizem-nos ainda que são alegres e ingénuas e que, como era expectável, esperam encontrar um amor como deve de ser, ou seja, à primeira vista e que desencadeie uma paixão selvagem. Em síntese, sentem-se preparadas para perder a cabeça (Nous sommes toutes deux joyeuses et ingénues, Attendant de l'amour ce qu'il est convenu, D'appeler coup de foudre ou sauvage passion, Nous sommes toutes deux prêtes à perdre raison).


Tanto lhes faz que quem lhes apareça seja artista, músico ou acrobata, o que lhes interessa é que seja um homem bom e bonito. Em suma, um homem ideal, com ou sem defeitos (Artistes passionnées, musicienne, acrobate, Cherchant un homme bon, cherchant un homme beau, Bref, un homme idéal, avec ou sans défauts).


Vejamos então o que as donzelas dizem, pelas suas próprias bocas:


Neste entretanto, Maxence, um marinheiro que aportou a Rochefort, sonha com a mulher ideal. Passa os dias no bistrot gerido pela mãe das gémeas e todos sabem do seu anseio e que nunca a encontra, a ela, à mulher ideal.


A empregada que o serve tenta animá-lo e diz-lhe que não esteja triste, pois feitas as contas, raparigas há muitas. Todavia, ele não se deixa convencer, diz que a procurou por todo o lado, de Veneza a Java, e de Manila a Angkor.


Diz nada conhecer dela, mas que ainda assim a vê, inventou o seu nome, conhece a sua voz, desenhou o seu corpo e pintou o seu rosto. Ela tem aquela beleza própria das donzelas românticas, o olhar inocente dos quadros de Botticelli e o seu perfil é o das virgens míticas que assombram museus e adolescentes.


Maxence diz-nos ainda que poderia falar-nos sobre os olhos dela, sobre as suas mãos, e que poderia falar e falar continuamente até ao dia de amanhã: “Son amour, c'est ma vie, mais à quoi bon rêver? Je l'ai cherchée partout, je ne l'ai pas trouvée”.


Ouçamos a canção de Maxence, o marinheiro:



Para mais, chega uma troupe de dançarinos à cidade, vêm participar num dos espectáculo da grande feira anual de Verão. Claro que Delphine e Solange também sobem ao palco para fazer o seu número, o qual consiste numa canção e respectiva coreografia. O tema, como é apropriado para esta época do ano, intitula-se “La chanson d’un jour d’été”.


A canção é como uma lição de vida e o refrão diz-nos o que é preciso fazer-se, para se ser feliz, sobretudo, quando o inverno se instala e o coração se gela (Lorsque l'hiver s'est installé, Et que votre coeur s'est glacé), e também quando o amor desaparece , o coração se desfaz e fica vazio e pesado, e o tédio ameaça tomar conta dos dias (Quand l'amour a disparu, Quand le coeur s'en est allé, Si votre coeur vide est trop lourd, Si l'ennui menace vos jours).


E o que é afinal preciso fazer-se para se ser feliz? A resposta é simples: “Il faut aimer”.


Amar a vida, amar as flores

Amar o riso e as lágrimas

Amar o dia, amar a noite

Amar o sol e a chuva

Amar o inverno, amar o vento

Amar as cidades e os campos

Amar o mar, amar o fogo

Amar a terra para ser feliz


Ou seja, em francês:


Aimer la vie, aimer les fleurs

Aimer les rires et les pleurs

Aimer le jour, aimer la nuit

Aimer le soleil et la pluie

Aimer l'hiver, aimer le vent

Aimer les villes et les champs

Aimer la mer, aimer le feu

Aimer la terre pour être heureux


Aqui fica a receita para ser feliz:



O filme prossegue e os destinos das várias personagens cruzam-se num jogo de afectos que têm tanto de sincero como de incerto. Todos procuram o amor verdadeiro, o perdido ou o ainda não encontrado. Mas todas essas enredadas histórias não nos interessam para este texto, a história que queríamos contar está contada. No fim, as irmãs partem para Paris.


Também nós partimos, mas em breve regressaremos com uma outra fita de Verão.

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