Continuamos a nossa série dedicada a fitas de Verão, hoje vamos a uma película cuja história nos fala do mar e que decorre por entre certas ilhas da Riviera Italiana.
Ah…la dolce riviera, local de veraneio de gente de extremo bom gosto: gli eletti, i fortunati. De facto, nem tudo é para todos, há coisas que são só para alguns, para uns felici pochi: os eleitos e afortunados.
Alguém decidiu que em português, o filme de que hoje vos vamos falar, teria o título “Um Peixe fora de Água”. O porquê de tal escolha é óbvio, o tradutor acreditou que a popular expressão “peixe fora d’água”, atrairia muito mais espectadores às salas de cinema, do que a tradução literal do título original: “The Life Aquatic with Steve Zissou”. Enganou-se.
“The Life Aquatic with Steve Zissou” foi realizado por Wes Anderson em 2004 e para um filme assim muito a atirar para o alternativo, conta com um absolutamente invulgar número de estrelas de Hollywood, gente como por exemplo Bill Murray, Owen Wilson, Willem Dafoe, Anjelica Huston e Cate Blanchett.
Presume-se que todas essas estrelas não cobraram o seu cachet habitual, até porque a fita foi um autêntico flop comercial, não só em Portugal, mas pelo mundo inteiro, sendo que as verbas arrecadadas não chegaram sequer para cobrir as despesas.
Todavia, “The Life Aquatic with Steve Zissou” acabaria por se tornar um filme de culto, ou, como se diz lá por fora, um “cult movie”.
Para quem não saiba, um “cult movie” é um filme a que a larguíssima maioria das pessoas não achou piada nenhuma, que deu imenso prejuízo a quem o financiou, e que é exclusivamente compreendido pelos “happy few”, que nele conseguem vislumbrar interpretações subjacentes, sentidos subliminares e significados implícitos .
Que fique bem claro, para se pertencer à categoria dos “happy few” capazes de compreender um filme incompreendido, ou seja, um “cult movie”, não só é preciso saber-se interpretar conteúdos subjacentes, como é também necessário conseguir-se ler significados implícitos e, por fim, ter-se ainda a capacidade para se desvendar sentidos subliminares.
Como já se terá percebido, perceber um “cult movie” não é coisa pouca, mas é para isso que nós existimos, para ir à essência dos temas em questão e desvelar o que se esconde para lá do óbvio e do evidente.
É provável que seja precisamente essa a razão, pela qual se pode dizer que somos um “cult blog”, ou, como se diz em Paris, um “succès d'estime".
Para quem não saiba, um “succès d'estime" é algo que apenas é aplaudido por "quelques heureux élus" e por “La crème de lá crème”, e não alcança grande popularidade entre as restantes gentes.
Abaixo uma imagem “The Life Aquatic with Steve Zissou”, uma obra-prima incompreendida pela maioria.
“Um Peixe fora de Água" é uma comédia, ou se calhar não, talvez seja um drama. Em boa verdade, é e não é uma comédia, é e não é um drama. Digamos que é um filme para espectadores, para quem uma comédia e um drama são somente duas faces da mesma moeda, ou seja, duas das múltiplas caras com que a vida sempre se nos apresenta.
Bill Murray é Steve Zissou, um persistente oceanógrafo que parte para o mar em busca de um tubarão extremamente raro, que terá comido um seu grande amigo e colega, enquanto ambos filmavam um documentário sobre a vida marinha.
Junta-se a ele nessa tremenda aventura, uma peculiar equipa, que inclui Owen Wilson, um marinheiro e admirador de Zissou, que eventualmente poderá ser seu filho. Acompanha-os também Cate Blanchett, a repórter encarregue de seguir a expedição, Angelica Huston, que é a mulher de Zissou, e Willem Dafoe, o seu irmão e engenheiro da embarcação. Let’s look at the trailer:
Quem viu o trailer, constatou que o tom da película é cómico, contudo, terá também entrevisto um outro tipo de conteúdo subjacente, assim como um significado implícito e, claro, um sentido subliminar.
Ainda assim, e para quem não vislumbrou nada disso, aqui fica o que está para lá do óbvio e evidente: Bill Murray (Zissou) é uma "father figure" para várias das personagens.
É-o para a Owen Wilson, que acredita ser Zissou mesmo o seu pai, mas é-o igualmente para mais uns quantos membros da sua equipa. Repare-se por exemplo (no trailer), no momento em que Willem Dafoe amua ao suspeitar que deixou de ser o "filho" favorito.
Dafoe desconfia disso, porque não é um dos escolhidos por Zissou para um importante mergulho de equipa. Com efeito, Zissou disse a Ownen Wilson, “I Want you on team Zissou”, ao que segundo respondeu, “The answer is yes”. A partir daí Dafoe começou a ficar para trás, e quando Zissou não escolheu para o mergulho, disse de forma irónica, “Thanks, thanks a lot for not picking me”.
Abaixo, aqui os vemos aos dois, Zissou (Bill Murray) e William Dafoe. É só olhar e ver, como este último se sente carente, e necessita muito, que o primeiro seja para ele, uma “father figure".
Todo o drama de “Um Peixe fora de Água” (título português), que é uma comédia, está no facto de o filme ser a história de um homem, que faz o possível por ser adulto sem deixar de ser criança.
Dito isto, Steve Zissou é um homem talhado para tudo, menos para ser o que nele os outros veem, ou seja uma “father figure”. Ele próprio o diz a determinado momento da fita que “odeia pais e nunca quis ser um".
Mas mesmo tendo-o dito, isso de nada lhe vale, pois ele sabe e reconhece, o intenso desejo dos outros, nomeadamente da sua equipa, por uma figura paternal, por um líder. Feitas as contas, lá tem de se conformar, ser o capitão que não é, e levar o barco a bom porto.
Aqui chegados, já todos terão percebido, que a comédia “The Life Aquatic with Steve Zissou”, é no fundo também um drama, pois há “filhos” que procuram um pai, ou pelo menos, uma “father figure”, e há um adulto (Zissou) que não quer ser crescido e muito menos pai de ninguém, mas que por força das circunstâncias, acaba por ser “pai” de todos.
Em síntese, talvez o tradutor português é que tenha tido razão, pois na verdade os personagens de “The Life Aquatic with Steve Zissou” são todos peixes fora d’água.
Mas para além de tudo isto, que já não é pouco, Seu Jorge, o músico brasileiro, compôs a banda sonora da fita, com versões em português de alguns dos maiores clássicos de David Bowie.
Seu Jorge não traduziu do inglês para o português as letras de Bowie, inventou e fez antes como quis. Bowie foi uma inspiração para o Seu Jorge, mas de maneira alguma uma “father figure”.
Em boa verdade, o Seu Jorge, para além de compor a banda sonora da película, também interpretou um dos personagens, um que é bem capaz de ser o único adulto na sala.
Aqui fica a versão portuguesa do clássico de David Bowie, “Life on Mars” por Seu Jorge:
E pronto, fim. Em breve teremos uma outra fita de Verão neste blog.
Comentários
Enviar um comentário