Continuamos a nossa série de fitas de Verão com “Adeus, Philippine”, película que se inicia em Paris no ano da graça de 1960. Michel, o personagem principal, trabalha como operador de câmara numa estação televisiva. Nesse contexto, conhece duas moças, Liliane e Juliette, ambas jovens aspirantes a serem actrizes televisivas.
Foi precisamente nesses anos, que a televisão começou a ganhar força como um meio de comunicação de massas.
Em França, no início da década de 60, apenas uma em cada dez famílias possuía um aparelho de TV, sendo que, no final desse mesmo decénio, já eram nove em cada dez, os lares que possuíam televisão.
Nesse tempo descobriu-se que a televisão era um meio de comunicação poderoso, mas descobriu-se igualmente, que apesar de também lidar com imagens em movimento, a TV jamais seria como o cinema.
A dado momento do filme “Adeus, Philippine”, há alguém que diz, “afinal de contas isto é só televisão”. A expressão “isto é só televisão”, denota que as imagens pensadas para serem transmitidas no pequeno ecrã, não necessitavam de ser tão cuidadas, preparadas e pensadas como as eram as do cinema.
Veja-se o excerto seguinte de “Adeus, Philippine”, no qual se assiste à gravação de um anúncio publicitário para televisão. Toda a cena é bem demonstrativa do carácter mais ou menos amador e descuidado, com que se produziam imagens destinadas a ser vistas no remanso do lar, de forma distraída, enquanto se descansava no sofá.
No cinema tudo é diferente, escolhe-se ir ver um filme, não se assiste passivamente às imagens que nos entram indiscriminadamente pela casa adentro. No cinema há um ritual, que se inicia com o apagar das luzes, que dispõe os espectadores a estarem concentrados e extremamente atentos ao que veem. Para além disso, no cinema há um grande ecrã, “bigger than life”. São estas as razões pelas quais, as imagens cinematográficas possuem uma importância muito maior do que as televisivas.
Sendo o filme bom, as imagens dizem sempre muito mais do que aquilo que mostram, delas desprende-se uma certa poesia e são fruto da visão que o realizador tem sobre o mundo, as coisas e as gentes.
Em síntese, um bom filme é uma obra de arte e reflecte o sentir e a concepção de vida de quem o fez, já um programa de televisão raras vezes faz o mesmo, se é que alguma vez o faz.
Abaixo uma foto de Jacques Rozier acompanhado pela sua equipa, aquando de um momento em que filmavam uma cena do filme “Adeus, Philippine”.
Jacques Rozier é um cineasta um tanto ou quanto esquecido, e mesmo quando estava no auge da sua carreira, nunca obteve a fama e a glória dos seus colegas mais próximos, ou seja, jamais foi aclamado como o foram alguns dos seus companheiros de então, como por exemplo, os míticos Jean-Luc Godard e François Truffaut
Godard e Truffaut são nomes que ficaram para a história, e que ainda hoje são tema de recorrentes artigos de jornais e revistas. Os dois juntos, com uma série de outros companheiros nos quais se incluía Jasques Rozier, revolucionaram a sétima arte, não só em França, mas pelo mundo inteiro. A essa revolução foi dado o nome de Nouvelle Vague.
Veja-se bem, como os tempos de então eram tão diferentes dos de actualmente, Godard e Truffaut tinham pouco mais de vinte anos de idade, quando decidiram mudar o cinema para sempre.
Primeiro começaram a escrever na revista Cahiers du Cinéma sobre o que era e o que não era o cinema, atreveram-se, assim sem mais, a redefinir uma actividade que tinha décadas de existência.
Depois conseguiram financiamentos e realizaram as suas primeiras obras, nas quais violavam todas as regras até então tidas como boas. Por o terem feito, os seus filmes primeiros, como “O Acossado” de Godard ou os “400 Golpes” de Truffaut, logo nesse momento entraram directamente para a história da sétima arte.
Jacques Rozier também fazia parte da troupe da Nouvelle Vague, talento e atrevimento não lhe faltavam, mas isso não foi suficiente para ter o mesmo reconhecimento público de Godard e Truffaut.
“Adeus, Philippine” foi a sua obra inicial, tendo sido esse o primeiro filme no qual se falou da Guerra da Argélia. Falar-se do conflito colonial francês no cinema, era algo que não caía bem a quase ninguém nesse tempo, e muito menos às autoridades e a quem financiava os filmes.
A narrativa passa-se em 1960, o sexto ano da guerra na Argélia. O jovem Michel, que como já dissemos trabalha na indústria televisiva, é mobilizado para o exército. Dada tal circunstância, despede-se, insulta o patrão e decide ir passar o Verão à Córsega.
Férias antes de partir para a guerra, é o pelo que Michel anseia. Juliette e Liliane, as duas aspirantes a actrizes televisivas, vão lá ter, e os três acabam por passar esse tempo juntos.
Na Córsega, o tempo distende-se e percebemos aquilo que já tínhamos percebido na primeira parte do filme passada em Paris, ou seja, que estamos diante de um triângulo amoroso. Tal não seria uma novidade, pois essa situação é um tema recorrente em muitos filmes, livros, peças de teatro e séries televisivas, o atrevimento de Jacques Rozier, foi fazer um uso sistemático de elipses, omitindo deliberadamente os momentos mais íntimos entre os personagens, deixando o espectador desorientado sobre as preferências amorosas de Michel.
Ficamos sem saber se ele prefere Juliette e Liliane, ou se quer as duas, e também qual é a opinião delas sobre o assunto. Apesar de por vezes assistirmos a amuos e ciúmes, nada disso tem realmente grande importância, pois os três vão bailando uns com os outros. Aqui ficam uns quantos passos dessas danças:
Jorge Silva Melo (1948-2022) que entre outras coisas foi um grande crítico de cinema, escreveu acerca deste filme o seguinte: “Não há rapaz que não queira fazer um filme, um primeiro filme, como este Adieu Philippine, de 1960, não há rapaz cinéfilo que não queira partir de férias para o sul com duas raparigas, talvez namorando uma, depois a outra, deixando-as a ambas, não há rapaz que não queira fazer troça do patrão, filmando ao deus-dará, improvisando, pregando partidas. Este é o filme de todas as juventudes. Ou melhor, de todos os rapazes.”
O filme teve uma vida difícil, em termos de números, foi uma catástrofe, pouquíssimos o viram. Como é evidente, em Portugal, “Adeus, Philippine” só estreou comercialmente largas décadas depois da data da sua realização, mais concretamente em 3 de Julho de 2025.
Feitas as contas, “Adeus, Philippine” é um autêntico filme de culto, ou seja, uma daquelas fitas que são amadas apenas por uns quantos, os “happy few”.
Mais uma vez, Jorge Silva Melo, explica perfeitamente o porquê de “Adeus, Philippine ser um “cult movie”: “E talvez seja por este colocar-se rente às personagens, tão perto, tão perto da gente, tão perto das pessoas, das coisas, por se colocar ao rés da história que conta, improvisando cenas e diálogos, à caça da emoção, desprevenido, que este é o filme que todos queríamos fazer, todos quererão fazer. Mas ficou assim, filme singular de cineasta maior, filme marcado por um tempo e eterno, filme de adeus e dor, riso e lágrimas, filmado com alegria dos pássaros.”
No fim da história, Juliette e Liliane percorrem o cais despedindo-se longamente de Michel, que parte num barco, Mediterrâneo afora, rumo à guerra da Argélia.
E pronto, também nós dizemos adeus, até à próxima vez, para mais uma fita de Verão.
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