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É no silêncio indizível da arte, que se vê e ouve o que se oculta no invisível


Há já uns bons anos, que são muitos os que vivem confinados entre ecrãs e algoritmos. A esses, passa-lhes continuamente por diante dos olhos uma torrente de mensagens e imagens, no entanto, serão poucas ou quase nenhumas, as que terão um real sentido e significado.

Com efeito, parte dessas imensas mensagens e imagens são pura e simplesmente falsas, sendo outras tão-somente tontas e apatetadas, havendo ainda as imbecis e as intencionalmente ofensivas e, por fim, existem também todas aquelas cujo exclusivo objectivo é provocar exaltações, fervores e reacções exacerbadas em quem as viu ou leu.

Este é um tempo de mensagens e imagens que clamam, berram e gritam por atenção, mas que, uma vez feitas as contas, pouco ou nada nos dizem de essencial ou substancial.

Desde épocas imemoriais, em todos os tempos e lugares, a humanidade sempre encontrou um fundamento para a sua existência escutando o indizível e vendo o invisível.

Foi ouvindo o silêncio e contemplando o oculto, que os Homens vislumbraram divindades e deuses, que pressentiram no interior de si uma alma, e que descobriram um sentido e um significado transcendente para as suas vidas.

Em síntese, é no silêncio que se diz o indizível das nossas vidas, é no oculto e no invisível que se dá a ver e se revela a essência da experiência humana. Abaixo uma imagem de uma obra da dupla de artistas Sara & André.


Sem que nada de essencial, substancial e transcendente nos mova ou atravesse, o que nos resta, é por um lado afazeres, obrigações, rotinas, preocupações, contas para pagar e fadigas, e por um outro lado, temos apenas prazeres vagos, entretenimentos superficiais, compras nos muitos templos de consumo existentes, lazeres banais e férias, folgas e feriados para dormirmos mais um bocado.

Claro que a tudo isto acima, acrescem a inúmeras mensagens e imagens sem real sentido ou significado, que servem apenas para nos distrairmos e passarmos o tempo livre submergidos em falsidades e patetices, e num extenso rol de ofensas e de ruidosas e exaltadas reações e opiniões.

Não é assim de estranhar, que haja hoje uma ânsia por sentido e significado. São imensos os que cansados, se procuram em muitos espelhos, mas que nunca se veem ou se encontram em qualquer deles.

Numa época em o que o excesso de ruído, de imagens e mensagens parece ter devorado todos os mistérios, é ainda e como sempre no silêncio, que uma voz nos pode murmurar um indizível sentido, é ainda e como sempre no invisível, que podemos vislumbrar um oculto significado.

A cada dia que passa são mais os que acordam com ressaca, saturados e atordoados pelo excesso de imagens e mensagens sem real significado ou sentido. A cada dia que passa são mais os fatigados pelo consumo imoderado e pela overdose de agitações e movimentações, em que ninguém parece verdadeiramente saber para onde se dirigir.

As histórias de encantar que esta nossa pós-modernidade nos contou, afinal não nos encantaram, pois que as fadas são feias e falsas, e não vamos a caminho de lindos castelos de sonho, mas sim andando por percursos pedregosos e arrastando connosco uma grande quantidade de tralha sem real sentido ou significado.

Abaixo uma obra de João Tabarra, “This is not a Drill (No Pain No Gain)” de 1999.


Cremos que mesmo os que vivem confinados entre ecrãs e algoritmos, e que se procuram em muitos espelhos e não se acham em nenhum, estão a pouco e pouco a redescobrir com um certo espanto, que é no silêncio, no invisível e no indizível, que podem encontrar um real sentido e significado para as coisas e para a vida.

A pós-modernidade vendeu-nos a ideia de que podíamos ser tudo o que quiséssemos ser. Convenceram-nos que vivíamos num mar de liberdade, e disseram-nos também, que não necessitaríamos de bússola nem de um cais para atracar.

Porém, esse mar de infinitas possibilidades, longe de nos entusiasmar e de nos convidar a navegar, acabou por nos aparecer como um abismo incompreensível, que nos deixa paralisados, presos a ecrãs e a algoritmos, soterrados por ruído e por milhões de imagens e mensagens sem real sentido ou significado.

A cada instante, por todos lugares do mundo, são muitos os que, empunhando os seus smartphones, se dedicam a fotografar o momento. Talvez essa acção lhes pareça a única forma possível de dar sentido e significado ao que fazem e ao que sucede, mas equivocam-se.

Faço isto, faço aquilo, vou ali, vou acolá, estou com este, estou com aquela, como isto, compro aquilo, aconteceu qualquer coisa, não aconteceu nada, adquiri uma viatura, houve uma festa, tenho um novo penteado, almocei lagosta ou seja lá o que for, todos os momentos são fotografados para posterior publicação numa qualquer rede social, de modo a que outros vejam que a minha vida tem real sentido e significado, e que também eu o veja.

Porém, não raras vezes o que acontece é exactamente o oposto, pois quem vê as imagens de outros em espectaculares festas, em divertidas férias, a comer uma fresca lagosta ou com um novo penteado, o que frequentemente pensa é o quão sem sentido e significado deve ser a vida dessa criatura, para necessitar de fotografar e publicitar ao mundo tudo o que faz.

Em síntese, muitos procuram-se em muitos espelhos, mas acabam por nunca se achar em nenhum deles.

Abaixo uma imagem de uma obra de Júlia Ventura, “Geometrical reconstructions and figure with roses” de 1987.


Todavia, mesmo nesse vulgar e equivocado gesto de fotografar todos os momentos e de os publicitar, há ainda assim uma ânsia e uma sede insaciável de real sentido e significado, mesmo que tal ânsia e sede sejam inconscientes.

Há duas forças que nos governam, há a gravidade, que nos puxa para baixo, em direção à terra, à necessidade, às realidades concrectas e à inevitabilidade da morte, e há a graça, que nos eleva para além de nós, para o alto, em direção ao divino e ao transcendente.

Ambas essas forças revelam-se no silêncio em que se diz o indizível das nossas vidas, e igualmente no oculto invisível em que se dá a ver a essência da experiência humana.

Mas mais do que isso, é através da arte que melhor podemos vislumbrar o indizível e o invisível dessas duas forças essenciais da experiência humana. Em certas obras de arte pressentimos a gravidade, essa força que nos puxa para baixo, em direção à terra, à necessidade, às realidades concrectas e à inevitabilidade da morte. Abaixo uma imagem de uma obra de Veloso Salgado, “No cemitério” de 1890.


Em certas obras de arte pressentimos a graça, essa força que nos eleva para além de nós, em que lançamos olhos e alma para o alto, em direção ao divino e ao transcendente. Abaixo a imagem de “O poeta e o anjo”, uma obra de 1938, de Mário Eloy.



A gravidade e a graça são portanto forças que se deixam vislumbrar quando silenciosamente contemplamos certas obras de arte. É nelas, e não nas imagens captadas continuamente pelas câmeras de milhões de smartphones e nas infinitas mensagens escritas para nada se dizer, que podemos encontrar espelhos nos quais nos achamos e nos encontramos. O resto é um equívoco.

É na arte, na verdade, e não confinados entre ecrãs e algoritmos, que podemos pressentir um real sentido e significado, e sentir também que a alma existe, e que o concrecto, o terreno e o transcendente também.

Em resumo, é na arte que encontramos o antídoto para o ruído de imagens e mensagem que nos cercam. É a arte que pode ser a nossa bússola e o cais onde atracar.

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