Na imagem acima, temos um cartaz de propaganda da extinta União Soviética. Nele pode-se ver um professor perfeito, acompanhado por alunos exemplares. Quem não conheça a história, pode até ser tentado a acreditar, que os “Amanhãs que cantam” na antiga URSS, estavam mesmo ao virar da esquina.
Na verdade não foi nada disso que sucedeu, os amanhãs não cantaram, o que comprova mais uma vez, que há sempre uma grande distância entre as ilusões e mentiras propagandísticas e a realidade concreta.
A educação ensina a pensar, a propaganda ensina o que pensar. Esta é uma distinção clássica, que está hoje em dia um pouco esquecida. A educação preocupa-se em abrir mentes e em alargar horizontes, o objectivo da propaganda é o oposto, ou seja, visa encerrar mentes e estreitar horizontes.
É nisto que reside a diferença fundamental entre educação e propaganda, a educação leva as gentes a avaliar e a questionar certas certezas e valores, a propaganda tenta tão-somente fazer com que se aceitem acriticamente determinadas certezas e valores.
Em boa verdade, não cabe apenas à educação opor-se à propaganda, também compete à informação fazê-lo, é uma sua missão.
Uma informação saudável é suposto fornecer-nos amplas e profundas perspectivas sobre os mais diversos temas e assuntos, contudo, não raras vezes, constatamos que os meios informativos cedem aos cantos de sereia dos propagandistas, e com o objectivo de obterem maiores audiências dão-lhes palco e olvidam-se da sua principal missão.
Seja como for, o facto é que a propaganda se alimenta de estreitas e irreais certezas, dessas que são inquestionáveis, sendo essa a razão pela qual, um propagandista rejeita o debate de ideias e antes prefere o ruído e a gritaria.
Dito isto, há que ressalvar, que num primeiro momento, na fase inicial, um propagandista faz uso da controvérsia como uma arma, mas isso é apenas uma estratégia para simular uma troca de ideias e um debate, pois na realidade ele já tem as respostas certas na ponta da língua e as soluções finais na mão, todas elas prontinhas e quentinhas, para serem servidas à farta nos pratos dos que têm fome de fortes e inabaláveis convicções.
Uma boa campanha de propaganda assenta sempre num líder, num homem providencial, ou seja, em alguém que se apresenta ao mundo como uma espécie de D. Sebastião, que numa manhã de nevoeiro, por entre as trevas, regressa à pátria amada, para a redimir e lhe trazer a luz.
Um líder propagandista vive das emoções daqueles a quem se dirige. O seu método é simples, estimula ou evoca emoções como o amor, a raiva, o medo, a esperança, a culpa ou qualquer outra, útil para o fim que tem em vista, de modo a que quem o ouça não pense, abdique da racionalidade, e reaja apenas emotivamente ao que ouve.
Regra geral, o líder propagandista tenta despertar nos que o escutam o desejo de alcançar algum objectivo, isto para logo em seguida sugerir, que ele é o único que conseguirá satisfazer tal aspiração.
Em resumo, com a propaganda servem-nos valores e certezas tão irreais como inquestionáveis, sendo que, para que essas certezas e valores se mantenham sólidas, os que nelas crêem têm que abdicar do pensamento crítico e racional, e têm também de evitar espreitar sequer para fora desse apertado círculo de crenças, pois caso o fizessem, poderiam começar a duvidar e a questionarem-se acerca daquilo em que tão firmemente acreditam.
Por consequência disso, nos convertidos pelo líder propagandista, as emoções estão sempre ao rubro, uma vez que é na extrema emotividade que assentam todas as certezas servidas por aquele que se apresenta como sendo o único capaz de concretizar as imensas aspirações e desejos dos que com fé o seguem.
As certezas e valores inquestionáveis podem ser propagandeados de forma directa, como acontece por exemplo através de um discurso político, mas também o podem ser indirectamente, ou seja, através de histórias, de símbolos, de imagens e de melodias.
Para um bom propagandista as artes, as letras e as demais manifestações culturais, são sempre fundamentais para consolidar a sua mensagem. Nesse contexto, nas primeiras décadas do século XX, o cinema parecia ser o instrumento perfeito, pois nele reuniam-se todas as artes e letras.
Num filme havia histórias como as havia num livro, num filme havia imagens como as havia numa pintura, num filme havia melodias como as havia num concerto, num filme havia diálogos e personagens como as havia no teatro, em síntese, num filme havia tudo.
Vejamos o caso de dois dos regimes em que o uso da propaganda mais massivo foi, e nos quais o cinema teve um papel decisivo para esse efeito, a saber, a Alemanha nazi e a URSS.
Lenine, Estaline e Trotsky foram claros. Lenine disse que “de todas as artes, para nós o cinema é a mais importante”. Estaline descreveu o cinema como “um meio de agitação das massas”. Trotsky, depois de enumerar os benefícios de usar o cinema para educar o povo e igualmente para o divertimento dos trabalhadores, foi directo ao ponto: “essa arma, que clama por ser usada, é o melhor instrumento de propaganda ”. Goebbels declarou que o cinema é “o meio mais moderno e de mais longo alcance que existe, para influenciar as massas.”
O que fica perfeitamente evidente nestas declarações e em muitas outras do mesmo género que aqui poderíamos citar, é que a propaganda, podendo, não tem o mínimo pudor em usar a cultura em seu favor.
Tanto a Alemanha nazi, como a URSS, usavam todas as manifestações culturais em proveito dos seus regimes, porém, consideravam claramente o cinema como sendo o mais eficaz.
O cinema tinha também a vantagem, de ser o único meio de comunicação de massas, que se dirigia directamente a uma plateia, que em si mesma já era uma massa, isto contrariamente à imprensa, à rádio e à televisão, que genericamente se dirigiam a indivíduos isolados, fosse em sua casa, no carro, nos transportes, numa sala de espera ou num elevador. Abaixo uma foto de uma sala de cinema, durante o período nazi.
Na Alemanha nazi, Goebbels tutelava o Ministério da Educação do Povo e da Propaganda do Reich (Reichsministerium für Volksaufklärung und Propaganda), designação que não deixa de ser sintomática.
Com efeito, tal designação significava que Goebbels era ministro de vários sectores, o da informação e comunicação social, o da educação e o da cultura. Goebbels concretizou o sonho do mais ambicioso dos propagandistas, ou seja, o de que a informação, a educação e a cultura, estejam sujeitas e sirvam objectivos propagandísticos.
Uma vez tendo sobre o seu completo domínio a informação, a educação e a cultura, que temas e assuntos eram os usados por Goebbels para efeitos de propaganda nos jornais, nas escolas, nos cinemas, nos teatros e nos museus?
Goebbels acreditava nos temas e assuntos encantadores, naqueles em que se propagandeava a sua Alemanha idílica: “Pensem meus amigos como será quando houver apenas alemães em torno de nós, quando entrarmos numa loja e não virmos nem judeus nem polacos, mas somente alemães! E não é apenas toda a aldeia que será alemã, mas tudo à nossa volta será alemão. E estaremos no meio disso, no coração da Alemanha. Apenas pensem meus amigos, como será! E por que não deveria ser assim? Estaremos então a viver no bom e velho solo quente da Alemanha, no nosso próprio país e em casa. E à noite, em nossas camas, quando acordarmos do nosso sono, o nosso coração vai acelerar de repente com o doce conhecimento de que estamos dormindo no meio da Alemanha, no nosso próprio país e em casa, cercados pela noite reconfortante onde milhões de corações alemães que batem suavemente como um único. Estaremos em casa, meus amigos, em casa com o nosso próprio povo. Haverá uma sensação maravilhosa em nossos corações quando soubermos que o solo no campo, a rocha, a relva ondulante, os ramos oscilantes da avelã e das árvores, que tudo isso é alemão. Assim como nós, pertencendo a nós, porque cresceu dos milhões de corações alemães que foram enterrados na terra e se tornaram terra alemã. Porque não apenas vivermos uma vida alemã e também morrermos uma morte alemã. Mesmo quando estivermos mortos, ainda seremos alemães, ainda seremos uma parte real da Alemanha. Um punhado de solo para os nossos netos cultivarem o milho. E do nosso coração as videiras crescerão ao sol que não as queima, mas lhes dá luz, e dão às uvas a sua doçura também. E a toda a nossa volta os pássaros cantam, e tudo é alemão”
Abaixo um cartaz de propaganda nazi. O texto diz: "O nariz dos judeus é torto na ponta. Parece o número 6."
Ao que se diz, Goebbels dizia aos seus subordinados dos sectores informativos, educativos e culturais o lema “Minta, minta que alguma coisa fica”, sendo essa uma das suas principais estratégias de propaganda.
Noutras ocasiões, e para o mesmo efeito, citava-lhes também o seguinte dito: “Por repetição até os asnos aprendem.”
O fruto mais prolífico da propaganda, geralmente, é o ódio. A propaganda funciona tanto melhor, quanto mais claramente apontar para um alvo, contanto que o alvo escolhido não seja muito poderoso. Pode-se portanto concluir, que uma das finalidades da propaganda é fornecer um ou mais alvos para odiar.
Como este texto já vai longo, vamos terminar, mas antes disso um poema de Bertold Brecht (1898-1956). Um poema que é simultaneamente informativo, educativo e cultural:
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora levaram-me a mim
Mas é tarde.
Eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo





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