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Gente nua, o Pokémon e o Rato Mickey entram num museu (2)


Imaginemos uma visita de estudo a um museu de arqueologia em que vai tudo nu, a turma e os dois professores que a vão a acompanhar, por exemplo, o Professor Asdrúbal e a Professora Felisberta.
Uma coisa era certa, não haveria de ser as peças expostas o que mais captaria a atenção dos alunos, mas sim as partes expostas da Felisberta, que apesar de estar à beira da reforma, ainda está em excelente forma.
E se não fossem as partes expostas da Felisberta, seriam as do Asdrúbal, que coitado, já está um bocado mirrado e acabado e parece mesmo uma peça de arqueologia. 
Face ao exposto, estamos em crer que ir tudo nu ao museu não seria lá grande ideia, mas há quem não pense o mesmo.
Começámos ontem a falar-vos de diversas iniciativas de museus europeus para chamarem a si mais visitantes. Ao Museu de Arqueologia da Catalunha pode-se ir nu, ao Museu Van Gogh de Amsterdão vai-se à caça de Pokémon’s, e no Rijksmuseum da mesma cidade, dá para ir brincar com o Rato Mickey. Tudo coisas muito giras, mas um bocado tontas, achamos nós.
São três iniciativas de diferente cariz, acerca das quais prometemos ontem dizer o porquê de nenhuma deles nos convencer. Posto isto, vamos cumprir.
Comecemos pelos Pokémon’s. Segundo o site do Museu Van Gogh, tal iniciativa justifica-se por o célebre pintor ter sido grandemente influenciado pela cultura japonesa e o Pokémon ter tido origem no Japão. Dito isto, uma mão lava a outra, dois mais dois são quatro e a coisa fez-se, Japão = Van Gogh + Pokémon, sem outros mais nem porquês.
Na nossa modesta opinião, a justificação apresentada pelo Museu Van Gogh não é lá essas coisas. Podiam também ter dito o seguinte, Van Gogh pintou girassóis, os girassóis são amarelos, o Pokémon é amarelo, logo Van Gogh é Pokémon.
Para vermos o quão ridícula é a justificação, inventemos um exemplo equivalente. Pensemos no recém inaugurado Museu de Arte Contemporânea do Centro Cultural de Belém, que anteriormente se chamava Museu Berardo.
Imaginemos então esta situação, o Joe Berardo deve imenso dinheiro aos bancos. Não paga. Vai daí, façamos no CCB uma exposição dedicada ao cobrador do fraque.
Como argumento não é grande coisa, pois não? O do Pokémon também não.

Ainda por cima, no Museu Van Gogh, a coisa correu mal, foi um caos. Foram tantas as gentes que por lá andaram à caça de um raríssimo Pokémon criado para a ocasião, que o museu não conseguiu aguentar a pressão de tais multidões e teve de reformular a iniciativa por razões de segurança.
Para o caso de em Portugal algum museu pensar em copiar semelhante ideia, deixamos uma sugestão, ao invés de se organizar uma caça ao Pokémon, mais vale promover-se o que é nosso. O que é nacional é bom e, nesse sentido, que se faça antes uma caça aos gambozinos.

Seguimos para o Rijksmuseum, esse grande museu de Amsterdão, que é certamente um dos melhores do mundo. Os convidados do museu desta vez são os personagens criados pelo Walt Disney, o Rato Mickey, o Pato Donald e muitos outros.
A justificação apresentada neste caso, é que o objetivo da iniciativa é aproximar a arte de crianças e jovens. Mas a pergunta que nos surge, é se realmente tal iniciativa cumprirá esse objetivo. Nós cremos que não, que faz precisamente o oposto.
Pelos vistos, na Holanda a rapaziada mais nova não gosta de ir ao Rijksmuseum ver quadros. No entanto, no conselho de administração do dito museu há uma senhora muito habituada a lidar com as birras da criançada e propôs uma solução para deslindar a situação: traz-se o Rato Mickey para o museu e a meninada vem logo a correr toda contente para o ver e nem se vai lembrar que há cá quadros e coisas dessas.
A estratégia é simples, é a mesma de que quando o miudagem não gosta de comer legumes e verduras, disfarça-se a coisa cozinhando-a de modo a que não se note que há vegetais e lá vai disto, a malta engole tudo de uma vez e nem sequer repara no que está a comer.

Quem visita o Rijksmuseum, fá-lo fundamentalmente para ver Rembrandt e Vermeer. É aí que estão alguns dos mais belos e célebres quadros desses autores. São dois pintores muito diferentes, todavia, ambos nos falam de interioridade, de reflexão e de recolhimento.
Olhemos por exemplo, para a pintura abaixo de Vermeer. Reparemos na sua suave luz, no ambiente tranquilo e discreto, na delicada conjugação de cores e no quão compenetrada está quem lê uma carta.
Que terá Vermeer a ver com a exuberância da Disneylândia com as suas cores berrantes, as suas muitas luzes continuamente a piscar, a permanente azáfama de carrosséis, montanha russas e demais diversões? Que terá Vermeer a ver com tudo isso? Em princípio nada.
E Rembrandt, pintor que se retratou repetidamente a si mesmo como um personagem cujo tempo ensombrou e corroeu? Que terá ele a ver com personagens como o Rato Mickey ou o Pato Donald, que nunca envelhecem e mantém a mesma vivacidade e energia que tinham há muitas décadas atrás?

A arte de Vermeer e de Rembrandt dá-nos a ver tudo o que de trágico, íntimo, terno e sincero a vida tem, as personagens da Disney vendem-nos algo de muito diferente: exuberância, agitação e diversão.
No universo da Disney tudo é infantil, há castelos, brincadeiras, fadas, príncipes e princesas felizes para sempre e demais fantasias. No universo da arte há seres humanos, ou seja, gente que ri e sofre, que se alegra e se entristece, que lê cartas de quem está ausente e que envelhece.
Aproximar crianças e jovens da arte, é aproximá-los de tudo isso, do riso, do sofrimento, da alegria, da tristeza e de tudo o mais que os seres humanos sentem, pensam, sonham e imaginam.
Aproximar crianças e jovens da arte não é de modo algum transformá-las em ávidos consumidores dos produtos da maior e mais poderosa empresa de entretenimento do mundo: a Disney.
Não temos nada contra a Disney, nem contra o entretimento, mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Entretenimento é entretenimento, arte é arte, não confundamos alhos com bugalhos como parece ter feito o Rijksmuseum de Amsterdão.

Vamos agora para um outro tipo de fantasias, que já não tão infantis. Que tal estarmos num local onde andasse tudo nu? Calculamos que os nossos leitores hesitem na resposta e que cautelosamente optem por responder o seguinte: depende.
Sim, claro que sim, em princípio a resposta certa é um hesitante depende. Depende de quem fossem os que andassem nus, se era gente conhecida ou desconhecida, se era pessoal bem-apessoado ou mal-ajambrado, se estava abafado ou havia correntes de ar e se andavam por lá à procura de alguma coisa ou só a passear.
O Museu Arqueologia da Catalunha é que não esteve cá com hesitações e convidou quem o visita a fazê-lo nu. A sermos rigorosos, não é bem assim, o convite refere-se tão-somente a uma exposição temporária, e não à coleção permanente.

A exposição apresenta fotografias dos Bronzes de Riace, duas imponentes esculturas gregas do século V a.C., que retratam corpos masculinos nus. O objetivo do museu ao convidar os visitantes a virem nus, é que estes se vejam refletidos na obra na mesma situação em que se encontram, ou seja, completamente nus e rodeados por outros corpos nus.
Ouçamos o que diz uma responsável do museu catalão a este propósito: “Estabelece-se uma relação muito especial com as imagens das peças nuas e, para mim, que não sou nudista embora o pratique esporadicamente, fiquei surpreendida com a naturalidade com que séculos de falsos preconceitos se evaporam rapidamente".
A senhora ficou surpreendida e nós também, não estávamos mesmo nada à espera que os preconceitos se evaporassem tão rapidamente. Mas ficámos ainda mais surpresos com uma outra declaração da mesma senhora: “os cidadãos estão a exigir estas iniciativas".
Ora bem, se os cidadãos estão a exigir estas iniciativas, é fazer-lhes a vontade, pois então. E com isto terminamos, bem vistas as coisas, o povo é quem mais ordena.

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