Escrevemos
ontem sobre o ensino da língua inglesa no 1° ciclo, e em como há muitas
opiniões desinformadas sobre esse tema, para todos os gostos e mais alguns. A
ideia que tínhamos não era a de nos pronunciarmos contra ou favor do inglês,
era sim a de simplesmente constatarmos que quando o assunto é educação, há
muito quem fale sem perceber minimamente daquilo que fala.
Ter agora ou
ter tido antes filhos na escola, não habilita ninguém a opinar tecnicamente
sobre educação, tal e qual como ter coração não habilita ninguém a discorrer
sobre cardiologia. Claro que toda a gente pode opinar em casa, na rua ou no
café, isto desde que se saiba distinguir claramente entre conversas de
circunstância entre amigos, vizinhos ou conhecidos, e opiniões técnicas ou
científicas.
Quem
porventura quiser ler o que ontem escrevemos, pode fazê-lo no link abaixo:
https://ifperfilxxi.blogspot.com/2024/03/cuidado-com-lingua.html
Usámos o
ensino da língua inglesa no 1° ciclo como um exemplo de uma discussão em que há
muitas opiniões a circular, mas que são poucas as abalizadas. Em síntese, é um
assunto em que há muita gente a atirar ao lado.
Na área da
educação, a língua inglesa no 1° ciclo não é certamente o mais excitante dos
temas, no entanto, e ainda assim, consegue despertar algumas posições firmes e
bastante assertivas, todavia, se nos concentrarmos em assuntos mais quentes, aí
sim é que os ânimos se incendeiam.
Talvez não
haja tema que mais ardentes opiniões acenda, do que a educação sexual. Mal se
fala nela, o ambiente tende a tornar-se tórrido. A título de exemplo,
deixamos-vos novamente a notícia de que ontem vos demos conta.
Em setembro
do ano passado, o governo belga tornou obrigatória a frequência de aulas de
Educação para a Vida Relacional, Afetiva e Sexual. Houve imediatamente quem
discordasse violentamente da decisão e nos dois dias seguintes, pelo menos
cinco escolas foram incendiadas:
https://pt.euronews.com/2023/09/14/cinco-escolas-incendiadas-na-belgica-devido-a-educacao-sexual
Em Portugal
por enquanto ninguém chegou a tais extremos, mas não estamos livres disso um
dia suceder. Em novembro de 2023, o parlamento português preparava-se para
aprovar unanimemente um voto de louvor ao trabalho dos professores, contudo, o
debate desviou-se do principal assunto, que era o louvor, e acabou por azedar
com uma discussão sobre os problemas de indisciplina nas escolas, que segundo
certos deputados são agravados pela libertinagem e sexualidade precoce dos
jovens.
Nós não
vamos aqui discutir se deve ou não haver educação sexual nas escolas ou se esta
compete ou não exclusivamente às famílias, essa é uma discussão muito batida
acerca da qual em décadas pouco ou nada se avançou.
Os
conservadores defendem um ponto, os progressistas defendem o oposto e ninguém
se dedica a tranquilamente ouvir professores, estudiosos e especialistas sobre
esse assunto. Assim sendo, tudo vai ficando tal e qual como está, havendo de
quando em vez uma polémica pontual para agitar águas, e de um lado e do outro
todos manifestarem opiniões muito firmes e assertivas. Uma vez passada a
tempestade fica tudo na mesma, até à próxima vez em que tudo se volte a agitar.
Aquilo que
na verdade aqui queremos fazer, é contestar as opiniões, segundo as quais, os
jovens atuais são libertinos e têm uma sexualidade precoce. Apesar do que se
opina, a realidade é exatamente a oposta, é isso o que nos dizem todos os
estudos.
Em Portugal,
como em todo o ocidente, o sexo parece estar em queda. Pode haver muitos
filmes, fotografias, vídeos, artigos de jornais e revistas sobre o assunto, no
entanto, apesar de todo o imenso aparato, a coisa em si, anda pelas ruas da
amargura, sobretudo entre os mais novos.
Mas antes de
irmos aos mais novos, vamos primeiro aos velhos, pois a seca parece ser
intergeracional. Ainda há uns poucos dias, o jornal britânico The Telegraph
continha um artigo que se intitulava assim: “The
French are having less and less sex – and Britain should be worried too”:
https://www.telegraph.co.uk/columnists/2024/02/08/french-given-up-on-sex/
Se os
franceses, logo os franceses, estão a perder interesse no sexo, que esperança
poderá haver para os restantes, fundamentalmente para os jovens?
O panorama
não é animador e não é de agora, pois já em 2018, a prestigiada revista
norte-americana The Atlantic se referia a essa matéria. Foi precisamente essa
publicação que pela primeira vez falou de uma recessão sexual a nível mundial,
que era particularmente evidente nos jovens norte-americanos.
Logo aqui ao
lado, em Espanha, a coisa também não parece estar muito melhor. Segundo um
recente artigo do jornal El Pais, a maioria dos casais do país vizinho que
respondeu a um inquérito realizado a nível nacional, valoriza mais numa relação
a participação em afazeres do lar, do que a vida sexual!
“La Encuesta sobre relaciones
sociales y afectivas en tiempos de pandemia realizada por el Centro de
Investigaciones Sociológicas (CIS) y publicada en 2023 sí decía, al menos, que
cuatro de cada diez españoles priorizaban la contribuición de su pareaja en las
tareas domésticas priorizaban sobre una buena vida sexual.”
Apesar dessa
situação atravessar todas as gerações, tem particular incidência na chamada
geração Z, ou seja, nos mais novos. Acerca disso, citemos novamente o El Paįs: “Muchos artículos coinciden en considerarlo
un problema y lo califican de crisis sexual de la generación Z, pandemia
invisible o muerte del deseo”.
Na
sua obra “Le désir, une philosophie”, o
escritor francês Frédéric Lenoir sugere que nada de grave se passa,
acontece tão-somente que os mais jovens estarão a descobrir práticas de
gerações mais antigas. Querem experimentar as castas e pudicas sensações
experimentadas pelos seus trisavôs.
Diz-nos ele que “Não ter relações sexuais desde o primeiro encontro permite que surja o desejo, mas não um desejo apenas físico, mas mais completo. É o passar do tempo que cria o clima de confiança necessário para que a relação sexual siga o seu curso”.
Apesar
das otimistas convicções de Frédéric Lenoir no regresso ao estilo de intimidade
do antigamente, o que nos parece é que a crise é real, e é perante esse
contexto, que voltamos à educação sexual nas escolas.
Dantes,
há já muitos anos, não cabia às escolas ensinar crianças e jovens a
alimentarem-se, a lavarem os dentes, a nadarem e a andarem de bicicleta. Agora
cabe-lhe tudo isso e muito mais. Cabe-lhe porque por alguma razão, tudo isso
deixaram de ser aprendizagens, que de certo modo se faziam naturalmente.
Tememos portanto, que a tudo isto que atualmente cabe à escola, daqui a uns
tempos se venha a acrescentar uma outra tarefa. Já estão a ver qual?
É
certo que nos dias que correm, as opiniões extremam-se e há quem defenda
ferozmente que a educação sexual é um assunto exclusivo da família, e quem com
igual ferocidade defenda o contrário, todavia, imaginemos que num futuro
próximo, serão poucos ou nenhuns os jovens que quererão ter relações sexuais, o
que fazer então?
Não é algo impossível de suceder. No já citado recente artigo do jornal El Pais, Andrés, um jovem de 27 anos que vive com a sua namorada, sendo ambos perfeitamente saudáveis, quando interrogado acerca do sexo responde deste modo: “una cosa complicada. A veces hasta me da asco pensarlo”.
Se porventura chegarmos a essa
situação, ou seja, em que há poucos ou nenhuns jovens que queiram
ter relações sexuais e que tal prática até lhes provoque asco, competirá à
escola fomentar através de atividades lúdicas, formativas e pedagógicas, fazer
com que tal tradição não se perca. Em resumo, é quase o mesmo que ensinar a
andar de bicicleta.
Estamos
mesmo em crer, que se aí chegarmos, a unanimidade se vai instalar. Políticos de
esquerda e direita, conservadores e liberais, tradicionalistas e modernos,
todos irão estar de acordo que é preciso resolver a situação e que é também para
isso que existe a educação.
No
fundo, estamos perante uma questão patrimonial. Assim como todos,
independentemente das suas opiniões e convicções, defendem a preservação dos
monumentos nacionais, como por exemplo o Mosteiro dos Jerónimos, também todos
estarão de acordo em defender o sexo, como património imaterial. Ora bem, se a
alheira de Mirandela é considerada património imaterial, porque não uma relação
sexual? Fica a questão.
Imaginemos
que em certas alturas do ano, conforme as tradições de acasalamento de cada
região, se organiza uma excursão para ver os rituais de cada um dos locais. Em
boa verdade, até se pode fazer um combinado. Numa mesma visita de estudo ao Alentejo,
poder-se-ia comer umas migas, ouvir um cante, e de caminho haveria também uma
pequena demonstração das tradições sexuais do chamado “celeiro de Portugal”.
Uma
outra possibilidade seria ir a Trás-os-Montes ver os caretos, comer umas papas
de sarrabulho, e aproveitar o percurso para ver como o fazem para lá das terras
do Marão.
Em
terras em que não houvesse grande património imaterial para observar, ainda
assim, se poderia trabalhar pedagogicamente com galos e galinhas coelhos e
coelhas, vacas e bois, ou qualquer outro tipo de gado, cavalar, bovino ou
caprino. Com estas e outras visitas de estudo, promoveríamos a cultura, o conhecimento
e a divulgação do nosso património imaterial, e com um pouco de sorte, também
se contribuiria para o repovoamento do interior do país, que tão esquecido
está.
Em
conclusão, a nossa sugestão é que, nesse eventual futuro não muito distante,
seja criada uma nova disciplina cujas matérias se lecionem de um modo
transversal: etnografia, regiões, rojões, canções e, para acabar o dia,
relações, que, diga-se de passagem, também podem ser transversais.
Com
isto terminamos a nossa singela contribuição para esta discussão. Feitas as contas,
temos a certeza absoluta que, promovendo a educação sexual do modo como aqui
sugerimos, fazemos uma perfeita síntese entre tradição e modernidade,
conservadorismo e progressismo, entre direita e esquerda, com um bónus, podemos
acrescentar a essa síntese mais dois opostos: frente e trás…
Posto
isto, o certo, certo, é que os problemas de indisciplina nas escolas talvez se
resolvessem e todos se portassem como uns anjinhos como antigamente.
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