Se ontem estivemos em Lisboa, hoje estaremos no Porto. Porém, continuamos com livrarias. Antes de irmos para norte, detenhamo-nos por mais um momento na capital.
No nosso texto anterior escrevemos sobre livrarias de Lisboa. Aqui fica o link para quem quiser ir verificar:
https://ifperfilxxi.blogspot.com/2024/04/hoje-falamos-vos-do-livro-do-ano-e-de.html
Até bem recentemente existia em Lisboa uma livraria chamada
Ferin. Era muito antiga, tinha portas abertas ao público desde 1840, resistiu
aos tumultos do fim da monarquia, à 1ª República e ao incêndio do Chiado, nunca
se tendo rendido ao comércio de “best-sellers” e de livros escritos por figuras
conhecidas. Apostou sempre em promover obras de altíssima qualidade, mas no
final de 2023 fechou. O espaço onde se situava irá agora albergar a loja “A
Vida Portuguesa”.
Há lá melhor
metáfora para a vida portuguesa, do que a loja “A Vida Portuguesa” ir ocupar o
espaço onde se situava uma livraria histórica? A nosso ver, não há. A loja “A
Vida Portuguesa” comercializa produtos que tiveram grande sucesso no passado,
mas que hoje são quase peças de museu.
O que “A
Vida Portuguesa” verdadeiramente vende é nostalgia, por isso nos seus
escaparates podemos encontrar coisas como a Pasta Medicinal Couto, o
Restaurador Olex, ou atum da marca Bom-Petisco. Os turistas adoram-na e os
saudosos doutros tempos também. Na verdade a ideia é gira, todavia, não é por
isso que deixa de ser uma boa metáfora.
A
livraria Ferin vinha do passado e tentava manter-se viva com dignidade, ou
seja, sem ceder às vulgaridades “literárias” do presente. A loja “A Vida
Portuguesa” vive da nostalgia do passado e comercializa no presente, o que as
gentes já só compram por graça, mas frequentemente para não usar. Alguém
acredita que ainda haja hoje quem use o Restaurador Olex ou a Pasta Medicinal
Couto? Certamente que não.
Mas
deixemos Lisboa e vamos ao Porto. A mais antiga e famosa livraria dessa a
cidade é a Lello e a sua origem remonta ao ano de 1869. Ao longo dos tempos o
estabelecimento teve bons e maus momentos, contudo, quando se começou a dizer que
a sua decoração interior inspirou a autora de Harry Potter a escrever a cena
onde esse personagem conheceu Gilderoy Lockhart, um outro personagem da mesma
história, o seu sucesso tornou-se estrondoso.
Em
maio de 2020 em entrevista, J. K. Rowling negou essa alegada inspiração,
afirmando que nunca teria entrado na livraria, apesar de ter morado na cidade
do Porto durante uns tempos. Seja como for, ninguém ligou nada ao que a
escritora disse e a Lello recebe atualmente cerca de um milhão de visitantes ao
ano, a uma média de mais de três mil ao dia, sendo inclusivamente necessário
adquirir um ticket-voucher de oito euros para se lá entrar com dia e hora
marcada.
É
certo que na Lello vendem-se imensos livros, estamos a falar de mais de duas
centenas de milhares ao ano, todavia, alguém acredita que num tal ambiente há
quem possa estar descansadamente a desfolhar uma obra ou a tentar encontrar um
autor ainda desconhecido? Evidentemente que não.
Toda
a sorte do mundo para a Lello, que continue próspera e a fazer um bom negócio,
mas dito isto, o que efetivamente vende não é literatura, embora acabe por o
fazer de um modo lateral, vende sim uma fantasia para jovens e adolescentes, no
fundo, é uma espécie de parque de atrações em miniatura.
Se
porventura andarem pelo Porto e quiserem ir a uma daquelas livrarias que não
atraem multidões e que se limitam a dar a conhecer e a vender livros, nós
dizemos-vos algumas das de que gostamos.
Gostamos
da Exclamação, que segundo os seus proprietários se dedica à “literatura marginal
com qualidade” e a “autores malditos” e pouco conhecidos (https://www.exclamacao.pt/exclamacao-bibliofolia/).
Uma
outra livraria no Porto, é a Térmita, que nasceu num antigo armazém de madeiras
que estava tomado por bichos que fazem daquela matéria-prima e dos livros a sua
refeição. “Os sítios também falam um bocado do que poderão ser” diz o seu
proprietário.
Nas
suas prateleiras tanto se encontram livros de aspeto cuidado como velhos. Há clássicos,
monografias históricas, livros técnicos ou de arte. É local onde os livros não
estão arrumados por ordem alfabética. Diz o seu proprietário que essa
“desorganização organizada” gera surpresas, “faz parte da magia de ir a uma
livraria: podes encontrar um policial na secção de filosofia” (https://termita.pt/).
A
livraria Gato Vadio também é engraçada. Promove fundamentalmente livros cuja
linha orientadora seja o pensamento alternativo. Dedica-se também à
contracultura, dá bastante atenção aos pequenos editores, ao fanzine e aos
livros de autor. Têm igualmente muitas revistas estrangeiras centradas em temas
pouco comuns, sobretudo espanholas, francesas e norte-americanas, porque portuguesas
quase não há (https://gatovadiolivraria.blogspot.com/).
Por
fim, para terminarmos esta nossa viagem por livrarias do Porto, falamos-vos da
Flâneur. Apresenta-se como um espaço para ler, refletir, relacionar conceitos,
contemplar a obra, o outro e a nós mesmos… Os livros estão para essa a livraria
como a cidade e o mundo estão para o flâneur. Dão novos fôlegos, entusiasmo e
vida. É uma livraria que diz defender que os livros sejam livres (https://flaneur.pt/).
Flâneur
significa errante, vadio, caminhante ou observador. Flânerie é o ato de passear,
outro tanto se poderia dizer do ato de ler.
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