Temos
reparado, com alguma perplexidade, que ultimamente nos leem muito lá para os
lados de Hong Kong. Por nós, façam favor. Tanto nos faz que nos leiam em
Arraiolos, como no Zimbabué, como na Conchinchina, nós gostamos de ser lidos
por todo o lado.
Mas dito
isto, decidimos dedicar um texto a essa ilha longínqua, que fica lá para o
extremo oriente, onde pelos vistos há gente que nos lê. O problema é que,
acerca de Hong Kong, apenas sabemos aquilo que toda a gente sabe, ou seja, que
foi uma colónia inglesa, que é agora uma região chinesa, que há muitos prédios
altos e que é o sítio com a maior taxa de densidade populacional do mundo.
Em boa
verdade, sabemos também outra coisa, pois temos conhecimento que Bruce Lee era
de Hong Kong. Não é que gostemos especialmente de filmes de Karaté ou de
Kung-Fu, mas ainda assim, mesmo não sendo nós grandes apreciadores do género,
tais películas são sempre uma coisa engraçada de se ver.
Abaixo uma
imagem com uma estátua de Bruce Lee diante de uma vista da cidade.
Aos olhos de
um europeu, as megalópoles asiáticas poderão parecer-lhe urbes hiper-confusas,
com um tremendo excesso de luzes, com um trânsito colossal e constantes
movimentações de multidões de um lado para o outro.
As cidades
europeias estão muito bem divididas e ordenadas, havendo zonas históricas todas
muito bem arranjadinhas e preservadas, e depois, noutros sítios mais afastados,
zonas de escritórios, de centros comerciais ou de urbanizações habitacionais.
Para ligar todas estas diferentes zonas ao centro há estradas, túneis, acessos
e viadutos, que fazem por não ser muito visíveis, de modo a manter inalteráveis
as partes antigas das cidades.
Na grandes
cidades asiáticas, e especialmente em Hong Kong, nada é assim. Um venerável
templo com cinco séculos de existência convive lado a lado com um arranha-céus
de duzentos andares, viadutos de cimento por onde passam milhares de viaturas
por hora atravessam alegremente um típico bairro todo ele construído com
materiais tradicionais, gigantescos e luxuosos centros comerciais coabitam
pacificamente com modestos comerciantes de rua e pequenas lojas, e por todo o lado há luzes que anunciam tudo e mais alguma coisa numa imensa e vibrante
cacofonia de néons.
Aos olhos
europeus, as grandes cidades asiáticas parecem desordenadas e caóticas,
contudo, o que também se sente imediatamente no extremo oriente é um intenso
movimento, uma vitalidade transbordante e uma energia pujante, que rapidamente
contagia toda e qualquer gente que venha do ocidente.
Ao fim de
umas horas numa megalópole asiática, e principalmente em Hong Kong, a Europa
parece-nos uma coisa morta e desenxabida, um espaço museificado e/ou
disneyficado, que apenas serve para que turistas cansados de um ano de trabalho
(ou já reformados), se arrastem rua abaixo, rua acima, adquiram uns quantos
souvenirs, tirem umas fotos e regressem contentes ao remanso do lar.
A Europa é
um continente de gente adormecida, que se importa mais com a tradição e a
história do que propriamente com o futuro. O contraste que tal faz com
Hong Kong é absolutamente evidente. Nessa oriental urbe, o dia e a noite
confundem-se pois a agitação é constante e o movimento nunca cessa.
Como
anteriormente dissemos, pouco sabemos de Hong Kong, mas tudo isto que
entretanto fomos dizendo, aprendemo-lo nos filmes do excelentíssimo cineasta
Wong Kar-Wai.
Um deles
intitula-se “Fallen Angels”. Foi realizado em 1995 e para este nosso texto,
pouco nos importa a história. O que aqui nos interessa é uma das cenas, na qual
alguns dos personagens percorrem as ruas de Hong Kong “by night”. A banda sonora
é a célebre sonata em G menor para violino de Tartini.
A sonata foi composta no século XVIII, todavia, ao a ouvirmos acompanhada pelas imagens de viadutos, de estradas, de túneis rodoviários e de neons de Hong Kong, e não numa enfastiada e requintada sala de concertos da velha Europa, percebemos imediatamente que não é apenas uma peça de museu, um trecho musical do património histórico-cultural, ou seja, sentimos que está viva.
Um outro
filme de Wong Kar-Wai chama-se “Chungking Express”. Deste não vamos igualmente
contar a história e somente referir uma cena. Num dado ponto da narrativa, o
personagem principal está abatido por ter sido abandonado pela namorada, ou
melhor dizendo, pelas suas duas namoradas.
Como é
compreensível, sente-se triste e desconsolado, e ainda para mais, ambas se
chamavam May, o que torna a coisa mais improvável. Como ele próprio reflete,
quem é que é abandonado por duas May no mesmo dia? Sendo que, para a
improbabilidade ser maior, esse dia foi o 1° de maio, que em inglês se diz May!
Para rebater
a tristeza, decide ingerir trinta latas de ananás. Não está mal pensado, pois
se ser deixado por duas May no primeiro dia de maio (May) desafia todas as
estatísticas, ingerir de seguida trinta latas de ananás também o faz. Assim
sendo, parece que fica restabelecido um certo equilíbrio, que se poderia
resumir do seguinte modo: improbabilidade estatística com improbabilidade
estatística se combate.
Após a
ingestão do fruto enlatado o rapaz vai até uma roulotte de venda de comida rápida
e troca umas ideias acerca da vida com o proprietário. Depois telefona a
algumas raparigas suas conhecidas de outros tempos, na esperança de arranjar
companhia, todavia, a coisa corre-lhe mal.
Aprende assim da pior forma, que em Hong Kong, o passado é passado e passa rápido, sendo que ninguém tem tempo nem paciência para ficar a lamber feridas. Com efeito, nessa vibrante urbe vive-se sempre velozmente, só há um sentido possível, ir em frente, em constante direção ao futuro:
Vamos ainda
referir um outro filme de Wong Kar-Wai, talvez o mais célebre, “In the Mood for
Love”. Aqui a história decorre na Hong Kong da década de sessenta. Tudo se
passa numa cidade húmida e chuvosa, onde Mr. Chow Mo-Wan e Mrs. Su Li-Zhen, que vivem
no mesmo prédio, passam cada vez mais tempo juntos, facto que acaba por chamar
a atenção da vizinhança.
A história vai-se desenrolando com sucessivos encontros e desencontros, mas no fim Mr. Chow Mo-Wan acaba por partir para um outro lugar enquanto Mrs. Su Li-Zhen acaba por ficar. Anos mais tarde tentam reencontrar-se, no entanto, o destino não quis que assim fosse, e quando um chega o outro parte e vice-versa. Aproximam-se mas sem jamais chegarem a ver-se ou sequer a estar próximos.
Para finalizar esta nossa viagem ao extremo oriente, temos um pequeno vídeo feito por um rapaz asiático ao estilo de Wong Kar-Wai. Nele podemo-nos aperceber da densidade da cidade e também da sua arquitetura futurista, quase de ficção científica. Vale a pena ver e visitar Hong Kong sem lá ir.
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