Uma das coisas mais espantosas da nossa bolha político-mediática, é o tempo imenso que políticos e jornalistas gastam com assuntos, que de tão gastos e batidos, acabam por já não interessar verdadeiramente a ninguém.
Dedicam-se longos meses e até à exaustão a determinados temas, fazendo com que as pessoas comuns se cansem deles e se desinteressem completamente do assunto. Entretém-se tão bem uns com outros, políticos e jornalistas, que quase nem se dão conta, que há gente a observá-los do outro lado, ou seja, leitores, ouvintes e telespectadores.
É isso mesmo o que se passa com o chamado caso das gémeas. Já não há paciência. Investiguem o que têm de investigar, inquiram o que têm a inquirir, e depois de tudo feito, digam-nos então o resultado final. Agora andarem diariamente e há longos meses a moerem-nos com o mesmo assunto, é coisa que já chateia e muito.
Ultimamente os telejornais falam constantemente do Presidente Marcelo a propósito do chamado caso das gémeas, mas nós vamos falar da mais alta figura do estado português, mas a respeito de um outro tópico, ou seja, da condecoração que ele deu ao cantor romântico Tony Carreira.
Com efeito, Tony Carreira recebeu ontem das mãos do Presidente Marcelo a condecoração de Comendador da Ordem do Infante. Quando vimos a notícia, o desgosto foi tanto, que não nos conseguimos conter, e abundantes lágrimas começaram a rolar-nos pelos olhos abaixo.
O que nos pôs num pranto, foi pensarmos que o Presidente Marcelo tinha decidido distinguir a música do Tony Carreira, coisa que para nós seria inconcebível, e que só nos poderia deixar a gemer e a lacrimejar.
Que fique bem claro, nós não temos absolutamente nada contra a pessoa de Tony Carreira, que tanto quanto conseguimos ver através das TV’s, parece ser alguém cordato, simpático e bem-formado. Já relativamente à sua música, a verdade, é que não a suportamos.
Fomos pesquisar os motivos que justificaram a condecoração, e na verdade, ninguém teve o arrojo de dizer que havia razões musicais que explicassem tal distinção.
O Presidente Marcelo disse assim: “Esta condecoração vai buscar alguém que foi, na sua altura e para sempre, um símbolo da projeção universal de Portugal, para aplicar a quem é um símbolo dessa ligação aos portugueses que estão espalhados por todo o mundo.”
O próprio Tony foi modesto no que concerne aos seus talentos como cançonetista: “Já estou numa idade avançada e num dia em que eu já não esteja cá fisicamente eu quero acreditar que são mais importantes as ações e as coisas que eu fiz por cá do que a própria música”.
Certamente que o Tony terá razão, dizemos nós, pois acreditamos que é um bom homem e praticou boas ações, facto que não impede, que as músicas que interpreta sejam péssimas. A cerimónia decorreu na embaixada de Portugal em Paris.
Não vale a pena que alguém nos venha dizer que a música do Tony é boa, com argumentos assentes no número de discos que vende, nem com outros baseados nas multidões que esgotam os seus espectáculos, pois tudo isso são razões quantitativas e não qualitativas. O nosso ponto é que independentemente da enorme quantidade de gente que delas goste, as canções do Tony não têm a menor qualidade.
Mas quem somos nós, para dizermos com tanta certeza, que músicas prestam e quais não prestam, poderá alguém de quem nos lê perguntar. Na verdade não somos ninguém, mas temos ouvido muita música e sabemos bem que dentro do estilo do Tony, ou seja, o do “cantor romântico”, é possível fazer muito melhor.
Assim sendo, propomos que hoje nos acompanhem num percurso didático ao estilo “cantor romântico”, para que se perceba a diferença entre a música do Carreira e a de outros, que em termos de qualidade, dele estão a léguas de distância.
Fazer didáctica relativamente à chamada música romântica, é coisa capaz de despertar umas quantas paixões, pois quando se diz a alguém, essa canção de que tu gostas tanto não presta para nada, a pessoa que nos ouve tem tendência para reagir de um modo um tanto ou quanto emocional.
Mas isso não sucede apenas com a música romântica, toda a chamada música Pop ou ligeira, desperta o mesmo tipo de emoções. Experimentem lá dizer a um fã dos Scorpions que eles não valem nada!
Digam lá a um grupo de fãs dos Xutos e Pontapés, que eles não são grande coisa. O mais certo é que quem vos escuta, vos aplique literalmente uma boa dose de chutos.
Ed Motta é um conhecido e sofisticado músico brasileiro, mas para além disso, teve também durante longos anos um programa de rádio em que ensinava os seus ouvintes a ouvir música, elevava-lhes o gosto e a capacidade de apreciar.
O programa chamava-se Empoeirado e foi um dos mais notáveis esforços didáticos a que alguma vez tivemos oportunidade de assistir.
No YouTube estão disponíveis para quem quiser ouvir imensas emissões do Empoeirado, onde Ed Motta nos fala de arranjos musicais, de discos raros, de artistas esquecidos, dos anos 70, da América, de cantores românticos, de samples e de muitas outras coisas mais. Aqui fica um exemplo, do Ed Motta radiofónico e didáctico:
Ed Motta tem currículo e créditos reconhecidos no que há didática musical diz respeito, e aqui há uns dias decidiu dizer publicamente o seguinte: “…quem ouve hip hop é hop é burro. Qualquer um. Sem exceção.”
Como é evidente, de nada lhe valeu o seu currículo didáctico e musical, pois houve imediatamente imensa gente que não hesitou em o xingar e em desdenhar da sua opinião. O mesmo nos sucederia a nós, ou ainda pior, que ainda para mais nem sequer temos currículo nenhum, se disséssemos publicamente que quem ouve Tony Carreira é burro.
Mas deixemos as ofensas e voltemos à didáctica, e mais concretamente à que se centra no estilo “cantor romântico”. Por coincidência, Ed Motta é sobrinho de um dos grandes intérpretes de sempre do género, Tim Maia (1942-1998), que em 1993 publicou inclusivamente um LP/CD intitulado “Tim Maia-Romântico”.
É precisamente com Tim Maia que iniciamos a nossa lição didática, com a canção “Gostava tanto de você”. Ao escutarem a cantiga de Tim irão certamente perceber que se pode ser um cantor romântico, sem por isso se ser meloso e exageradamente sentimental. Ouçamos a alegria e a energia de Tim Maia tem, mesmo quando cantando uma separação, a tristeza e as saudades:
Foi por ouvirmos as lições que Ed Motta nos dava no seu programa de rádio Empoeirado, que aprofundámos os nossos conhecimentos acerca do movimento musical Philadelphia Soul, que também é conhecido por Philly Soul, Philly Sound, Philadelphia Sound, Phillysound ou TSOP (The Sound of Philadelphia).
O estilo Philadelphia Soul surgiu entre os finais dos anos 60 e o início dos 70, caracteriza-se pelos seus arranjos instrumentais exuberantes, por usar secções de cordas arrebatadoras e por colocar em destaque os penetrantes sons vindos dos instrumentos de sopro.
Uma das bandas mais representativa do som soul de Filadélfia é Harold Melvin & The Blue Notes. O vocalista do grupo era o excelente Teddy Pendergrass, que posteriormente haveria de ter uma muito bem sucedida carreira a solo. Durante anos foi na América a encarnação do estilo “cantor romântico”. Aqui fica a capa do seu álbum “It’s time for love”.
Mas mesmo antes de cantar a solo, quando ainda fazia parte da banda Harold Melvin & The Blue Notes, Teddy Perdergrass já representava a excelência do estilo romântico, como por exemplo se pode verificar na canção “The Love I Lost”.
Ao vermos e escutarmos a cantiga “The Love I Lost”, entendemos que não há razão alguma pela qual a música romântica tenha de ser lamechas e piegas, Teddy Pandergrass dá-nos uma lição de como ter um elevado grau de sofisticação e de como ser “ultra-cool”, mesmo quando “something went wrong, we loved each other, but just couldn't get along”.
Em síntese, a didáctica aqui é simples, relativamente ao estilo “cantor romântico” dizemos não ao Tony e sim ao Teddy.
Para não nos alongarmos muito mais, falemos de Mina, que foi uma cantora romântica de imenso sucesso na Itália das décadas de 60 e 70, e que tem atualmente 84 anos de idade.
É consensual que é a maior “cantante” italiana de sempre, sendo que sucessos como “Il cielo in una stanza” ou “Se Telefonando” aparecem frequentemente em anúncios publicitários, filmes e séries de TV.
Corria o ano de 1972, Mina entra num palco para um dueto com Adriano Celentano, a outra grande estrela da canção italiana. Toda a Itália os estava a ver, encontravam-se então ambos no auge da sua fama e glória. A estação de televisão RAI Uno esteve lá e transmitiu em direto para todo o país, a reunião dos dois mais célebres cantores transalpinos à data.
Como seria expectável, o tema a interpretar seria uma canção romântica, mais concretamente, “Paroli, paroli”, um sucesso imenso nesse tempo. A letra da cantiga tem frases tão românticas como por exemplo, “Tu sei come il vento che porta i violini e le rose" (Tu és como o vento que traz violinos e rosas)”.
Os duetos em que se encontram artistas de grande sucesso, têm tendência para ser momentos de prestígio e de enorme emoção, era ir ver os de Tony, todavia, o de Mina Celentano foi todo o contrário disso. Decidiram divertir-se, sendo essa a última lição didáctica de hoje, a de que o estilo “cantor romântico”, também pode ser pleno de humor.
Aqui chegados, só há uma pergunta lógica a fazer, será o Presidente Marcelo um apreciador do estilo “cantor romântico”? Na verdade não o sabemos, no entanto, e de algum modo, faz hoje uma semana que escrevemos sobre esse assunto. Fica a sugestão para quem queira aprofundar o tema:
https://ifperfilxxi.blogspot.com/2024/07/sonhos-molhados-de-adolescente.html
E pronto com isto fechamos mais um ano. Como habitualmente no fim de julho e durante todo o mês de agosto, vamos agora dedicarmos-nos longamente a um único assunto. Não, não temam, não é no chamado caso das gémeas que nos vamos concentrar, o tópico é outro.
No verão de 2022 apresentámos um extenso Folhetim de Verão e no de 2023 dedicámos montes de tempo ao tema “Como fazer turismo sem sair de casa”, por consequência lógica, neste verão de 2024, o nosso tema vai ser “Como andar deprimido e tristonho em agosto”.
Daremos sábios e úteis conselhos, diversas sugestões e recomendações a todos os que desejam andar tristes e acabrunhados durante a época estival. Vão ver que vai valer a pena.
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