Chegamos hoje ao fim de um percurso de treze textos (incluindo este) que neste blog dedicámos à América. Viajámos por todo lado e falámos de tudo, menos de política, ou se calhar foi ao contrário, pois que tudo é política. Seja como for, o que nos serviu de tónus para esta longa viagem foi sempre a certeza de que assim como “We like America” também a “America likes us”.
E a verdade é esta, somos correspondidos, pois tirando as gentes portuguesas e as do Brasil, sítios onde se fala a língua em que escrevemos, onde mais nos leem é nos bons USA. Aqui fica a estatística:
Dito isto, sigamos sem demoras e velozmente para o fim. “Live fast die young” é um dito profundamente americano, sendo também esse o título da biografia de James Dean (1931-1955), um homem que com apenas três filmes se transformou num ícone eterno da América.
James Dean teve um fim trágico, com apenas 24 anos e no auge do sucesso, faleceu num desastre rodoviário. Ia em excesso de velocidade. O destino de Dean é da ordem do mito, pois por triste que tenha sido o seu fim, dir-se-ia que estava escrito nos astros que assim seria.
Em certo sentido, um dos seus filmes como que preconiza o fim que veio a ter. Em “Rebel Without a Cause (Fúria de Viver)”, James Dean interpreta um jovem problemático, Jim. A sua família muda-se constantemente de uma cidade para outra, na esperança de que na próxima Jim se adapte melhor ao sítio, à escola e inclusive faça amigos. No início da história acabaram de se instalar em Los Angeles.
Um dia Jim conhece Judy, interpretada por Natalie Wood, então na flor da juventude. Ela é uma rapariga revoltada e os dois identificam-se um com o outro à primeira vista. Só que há um problema, Judy tem um namorado, que é líder de uma espécie de gang na escola secundária que todos eles frequentam.
Dada a situação, os conflitos entre Jim e o namorado de Judy intensificam-se. Por consequência, combinam um duelo. Toda a rapaziada, conjuntamente com as meninas, vem assistir ao despique.
O desafio é simples, tanto Jim como o namorado de Judy conduzem um carro numa recta deserta, sendo que, no fim do caminho há uma vertiginosa ravina. Ambos os carros terão sido adquiridos por uns tostões num qualquer ferro-velho, portanto com o destino das viaturas não há preocupações. O objetivo é ver quem salta do carro primeiro, ou seja, quem se acobarda, quem não vai até ao The End of the Road.
Como quem viu a cena acima sabe, Jim escapou, mas isso foi na ficção, pois uns tempos mais tarde, dessa vez na realidade, James Dean já não teve a mesma sorte, encontrou o seu destino final, o The End of the Road, quando conduzia a alta velocidade.
“Thelma e Louise” é um filme de 1991. Thelma e Louise um dia decidem sair e ir de fim de semana, só as duas. Thelma, uma dona de casa, é casada com um vendedor de tapetes, que a controla e a aborrece. Louise trabalha num restaurante e namora com um músico, que passa a maior parte do tempo fora. Em síntese, andam ambas tristes e amarguradas.
Aqui as vemos a tirarem uma fotografia numa Polaroid, num tempo em que ainda ninguém sabia, nem adivinharia, que um dia existiriam “selfies” e telemóveis.
“To make a long story short”, o certo é que Thelma e Louise nesse fim de semana se meteram em grandes aventuras, estavam desejosas de o fazer. Conheceram homens, desrespeitaram leis e fizeram trinta por uma linha. Foi de tal maneira, que acabaram a ser perseguidas pela polícia.
Se quisessem ser sensatas paravam e esclareciam tudo com as autoridades, mas não, decidiram ir sempre em frente até ao fim, pois aventura é aventura. Aparentemente estavam fartas de viver uma vida inteira de sensatez e, naquele momento, já não lhes apetecia ter o mínimo de juízo nem de tino.
Feitas as contas vão pela estrada fora, escondem-se e fogem, até ao momento em que são encurraladas pela polícia. Mais uma vez, podiam ter feito uma pausa, abrandado e explicado a toda a gente, sobretudo às autoridades, por que estranhos desvios e equívocos se encontravam naquela situação, afinal ambas eram mulheres sossegadas, trabalhadoras e que nunca tinham provocado distúrbios.
Mas não, a ponderação e o siso não estavam no programa que tinham previsto para o seu fim de semana. Vai daí, aceleraram a fundo e foram On the Road until The End, voltar para trás não constava dos seus planos.
Isto de se ir pela estrada fora e encontrar-se o fim, não é bem somente um acidente, na América parece que para alguns é uma espécie de destino, um The End marcado nos astros. Um outro personagem com o qual tal sucedeu, foi o pintor Jackson Pollock (1912-1956).
Jackson Pollock na década de 50 do século XX era apresentado à nação norte-americana como “The Great American Painter”. Tal não era coisa pouca, pois há muito que a América esperava pelo seu grande artista.
A Europa, e mais concretamente Paris, há séculos que era a pátria das artes. Já os Estados Unidos apesar da sua enorme prosperidade económica e de então se terem transformado na primeira potência mundial, jamais tinham tido um artista que tivesse um estatuo parecido ao dos parisienses e isso doía-lhes. Até que um dia surgiu Jackson Pollock e a partir daí tudo foi diferente.
O júbilo americano por finalmente terem um artista único e grande foi tanto, que até uma revista popular e de grande circulação como a “Life” fez uma reportagem intitulada “Is he the greatest living painter in the United States?”.
Fosse na viagem de autocarro ou de comboio para o emprego, fosse na sala de espera do consultório médico, na do dentista ou na do cabeleireiro, em todos os lugares havia a revista “Life” à disposição, por consequência todos ficaram a saber quem era o grande artista norte-americano: Jackson Pollock, The Man, o homem do momento.
Abaixo uma imagem com a reportagem dessa histórica edição da “Life”.
Pollock era o maior, o orgulho da América, nação que por fim não era só reconhecida pelo dinheiro e poder que tinha, mas também por ser a pátria de um grande artista, tal e qual como sempre tinha acontecido ao longo da história nos grandes países e impérios.
Na Renascença italiana havia Da Vinci, Michelangelo e Rafaello e no século de ouro espanhol existiam Velásquez, El Grego e mais tarde Goya, Picasso, Miró e Dali. Na grande Holanda tinham surgido Rembrandt, Vermeer e Frans Hals e, em França, eram tantos…Poussin, Delacroix, Ingres, Manet, Monet, Cézanne, Degas, Toulouse-Lautrec, Gauguin…Só na América é que não havia ninguém até ter aparecido Pollock.
Jackson Pollock era o mais que tudo e todos os adoravam, porém, começou a andar cada vez mais perturbado e deprimido, tendo começado a duvidar seriamente das suas capacidades artísticas. Quanto maior era o seu prestígio, mais se parecia afundar em dúvidas e angústias.
Nisto, num dia funesto, morre aos 44 anos num desastre de automóvel. Conduzia completamente embriagado e não é certo que o desastre tenha efetivamente sido um acidente, pois é possível que Pollock tenha decidido ir On the Road até ao fim.
De algum modo quer James Dean, quer Thelma e Louise, quer Jackson Pollock eram uns inadaptados. Não há nação que mais permita a alguém ser livre e inventar-se a si próprio do que a americana, contudo, isso tem um preço.
Se por um lado a América permite que se viva em completa liberdade, por outro também há forças poderosíssimas que pressionam as gentes para se adaptarem, se conformarem e viverem de acordo com as regras, costumes e valores da sua comunidade.
A América adora indivíduos livres e a América adora gente conformada, é esta a sua grande contradição interna. Por assim ser, o preço da liberdade é a solidão. Mas acerca das grandes solidões americanas já falámos num texto anterior, aqui fica o link para quem o quiser ler:
Na verdade, um dos maiores problemas de Jackson Pollock foi que a partir do momento em que se tornou uma estrela, a sua liberdade foi desaparecendo. As televisões vinham vê-lo, os jornais entrevistá-lo e as gentes cortejá-lo, consequentemente, foi ficando cada vez mais cercado e confuso, sem saber que caminho tomar.
Quanto maior era a sua fama e sucesso mais se sentia um inadaptado, acabou por decidir partir, estrada fora, On the Road, percorrendo o caminho até ao fim, The End.
Abaixo uma pintura de Jackson Pollock que pode muito bem ser interpretada como o auto-retrato de um homem que não sabia em que direção seguir.
Não será um filme muito conhecido, mas ainda assim é talvez a metáfora mais perfeita para ilustrar o destino dos americanos, que mais do que tudo, sentem a nação como ela se anuncia na sua Declaração de Independência: The Land of the Free and the Home of the Brave.
O nome da película é “The Misfits (Os Inadaptados)” e foi realizada em 1961 por John Huston. No elenco constavam três grandes estrelas do firmamento de Hollywood, Clark Gable, Marilyn Monroe e Montgomery Clift.
O filme tornar-se-ia uma lenda, não por boas razões, mas porque foi o fim do caminho para Clark Gable, Marilyn Monroe e Montgomery Clift. Passado não muito tempo cada um deles viria a falecer, ganhando a película a fama de ser um filme maldito.
Independentemente dessas circunstâncias, de todo o filme se desprende uma melancolia própria dos crepúsculos. A ficção mistura-se com a realidade e Clark Gable, ele próprio um tanto ou quanto envelhecido, interpreta a personagem de um cowboy no seu ocaso.
Quem se lembra de Clark Gable uns anos antes a interpretar papéis de cowboys, ao tempo em que era o grande galã da América e estava no auge da sua forma, ao olhar para ele em “Os Inadaptados” não pode deixar de se sentir melancólico ao verificar como toda a glória é fugaz.
Marilyn Monroe interpreta a personagem de uma recém-divorciada deprimida, que não faz a menor ideia de qual caminho seguir, e que anda sem destino certo, de terra em terra, acompanhada por uma amiga. Talvez procure um poiso, mas por ora faz a sua vida On the Road. Quem conhece a vida de Marylin Monroe sabe que a atriz é o seu personagem.
Montgomery Clift foi a maior promessa de Hollywood, o futuro sorria-lhe, todos vaticinavam que em breve seria a estrela maior da galáxia cinematográfica. Para seu infortúnio, tudo se desmoronou num momento fatídico. Um acidente na estrada fez com que ficasse com a cara marcada, uma cicatriz atravessava-lhe o rosto.
Continuou a sua carreira de ator nos estúdios. Com recurso a maquilhagem conseguiam que a cicatriz no rosto não fosse muito visível, no entanto, o público já não o via como uma estrela ascendente com um futuro brilhante, mas sim como alguém com um destino marcado. Por consequência teve de abandonar os papéis de galã e passar a interpretar personagens de destino incerto. Um desses personagens foi precisamente o que interpretou em "Os Inadaptados", filme no qual é um cowboy arruinado. Tal como na vida, o seu personagem prometia muito, mas ficou pelo caminho.
E pronto, it´s the end of the road, de todos estes destinos americanos que apresentámos ao longo de treze textos, uma coisa é certa, na América cada um escreve o seu caminho, sendo que, com frequência há desvios e finais trágicos. No entanto, o grande consolo é que sejam quais forem as escolhas feitas, um verdadeiro americano sabe sempre que, no fim, fê-lo "his way". É essa certeza que Frank Sinatra canta no clássico "My Way"...
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