No último sábado escrevemos sobre como a Coreia do Sul está a invadir o mundo, mas não com exércitos e armas e sim com a sua cultura. Essa onda sul-coreana que tomou o planeta tem um nome: Hallyu.
A Hallyu não surgiu por um acaso, pois após a última grande crise económica, o governo sul-coreano de então, decidiu que a melhor forma de fazer crescer a economia era a cultura.
Assim sendo, apoiou intensamente os diversos agentes culturais, e logo passado pouco tempo surgiram bandas Pop e depois séries de TV e filmes, que começaram a ter um enorme sucesso não apenas na Coreia do Sul mas por todo o mundo e, sobretudo, no Ocidente.
Quem for dado a números, fazendo uma breve pesquisa perceberá imediatamente a enorme contribuição que os produtos culturais sul-coreanos dão à economia desse país. O PIB cresceu bastante devido à exportação desses produtos para todo o globo, sendo que, a cultura é hoje uma das principais fontes de riqueza da Coreia do Sul.
Aqui fica um relatório internacional com gráficos, números e tudo o mais, que demonstra o que acabámos de afirmar:
No nosso último texto falámos desse fenómeno sul-coreano, a Hallyu, e mais concretamente acerca da K-Pop e do filósofo Byung-Chul Han. Aqui fica o link, caso alguém queira saber o que anteriormente dissemos:
A onda sul-coreana é tão forte, que em 2020, e pela primeira vez, houve um filme não falado em inglês, que ganhou os principais Óscares de Hollywood, coisa inédita e espantosa. O título da película é “Parasitas” e o seu realizador é Bong Joon-ho.
No entanto, não é de Bong Joon-ho que vos queremos hoje falar, mas sim de outro realizador sul-coreano, que mesmo que não tenha tido o estrondoso sucesso do primeiro, ainda assim, é bastante conhecido e apreciado por todo o Ocidente, o seu nome é Hong Sang-Soo.
Dizíamos que a cultura sul-coreana apela tanto ao Ocidente porque de algum modo não perdeu profundidade, e até mesmo os produtos Pop, têm o seu quê de espiritual e não se limitam a ser ligeiros, leves, superficiais e comerciais.
É também profundidade e espiritualidade o que vemos nos filmes de Hong Sang-Soo. Nas suas películas pouco ou nada acontece, não há explosões, espectaculares perseguições, super-heróis ou grandes dramas, daqueles de fazer chorar as pedras da calçada. É tudo muito mais simples, e o que na verdade sucede são pessoas que conversam numa mesa de café ou restaurante, num banco de jardim, na rua, à porta de casa ou numa praia à beira-mar.
Umas vezes são conversas de circunstância, outras são conversas divertidas e nalguns momentos são conversas decisivas. Há diálogos tristes e alegres, e também profissionais ou simplesmente sobre o tempo que faz.
Bebe-se, come-se e há quem fique sozinho, ponha a cabeça em cima da mesa e adormeça. Há também brindes, cumprimentos, beijos e abraços. Para além disso, há igualmente gente que está na cama, que se olha, que fuma ou telefona. No fundo, o cinema de Hong Sang-Soo dá-nos a ver todos aqueles momentos das nossas vidas, que não sendo marcantes, marcam.
Nos filmes de Hong Sang-Soo os personagens tomam decisões, conversam e agem sob a influência de muito soju, a bebida típica da Coreia do Sul, acordam no dia seguinte e tomam as mesmas decisões, muitas delas erradas. Mas o que os filmes de Hong Sang-Soo nos mostram, é que nunca há duas situações na vida exactamente iguais, por muito semelhantes que sejam.
Durante a nossa existência vivemos uma infinidade de momentos, que para quem não esteja com atenção podem parecer banais e sem interesse ou importância, mas se tivermos um olhar mais lento e delicado, vamos conseguir vislumbrar profundidade e espiritualidade no simples acto de conversarmos numa mesa de café ou restaurante, de estarmos sentados num banco de jardim, de nos encontrarmos na rua, à porta de casa ou numa praia à beira-mar. Aqui fica uma compilação desses momentos no cinema de Hong Sang-Soo:
A onda sul-coreana, a Hallyu, não se estendeu apenas ao cinema, mas também à literatura. Com efeito, e mais uma vez pela primeira vez, o Prémio Nobel da Literatura de 2024 foi atribuído a alguém da Coreia do Sul, no caso à escritora Han Kang, autora que um dia disse assim: “Na adolescência pensava que os livros continham todas as respostas, mas cedo compreendi que eles só contêm perguntas.”
O mais célebre livro de Han Kang intitula-se “A Vegetariana” e conta-nos a história de Yeonghye, uma dona de casa que decide subitamente deixar de comer carne, após ter tido uma série de sonhos com violentas imagens de animais mal tratados.
Ter-se tornado vegetariana faz com que se distancie da sua família e da sociedade em geral. A história é contada em três partes. A primeira parte é narrada pelo marido de Yeonghye. A segunda parte é narrada pelo olhar do cunhado de Yeonghye, e a terceira parte centra-se mais na sua irmã, na relação que tinham em crianças e na que têm no presente.
A passagem abaixo de “A Vegetariana” como que rima com muitas das cenas dos filmes de Hong Sang-Soo, vejamos: “A vida é uma coisa tão estranha, pensou ela, depois de parar de rir. Mesmo depois de certas coisas acontecerem, por mais terrível que tenha sido a experiência, as pessoas continuam a comer, a beber, a ir à casa de banho, em resumo, vivem. E às vezes, até riem alto.”
Nos livros de Han Kang nada parece estar a passar-se, tudo parece estar a decorrer como habitualmente, contudo, e paradoxalmente, pressentimos ao mesmo tempo que estão a acontecer coisas tremendas, ou seja, que a um nível muito mais fundo e lento do que o do quotidiano, há algo que se move, grita e se agita.
O último parágrafo, como que resume aquilo de que escrevemos nos nossos dois últimos textos, o de sábado e este de hoje. A nossa tese é a de que a cultura sul-coreana invadiu o mundo não apenas por ter um imenso apoio das autoridades estatais, mas também porque seja na música Pop com bandas como os BTS, seja na filosofia com autores como Byung-Chul Han, no cinema com realizadores do tipo de Hong Sang-Soo ou na literatura com a escritora Han Kang, nos dá a ver um tempo mais lento, de uma maior profundidade e espiritualidade, sendo provavelmente por isso, que faz tanto sucesso no Ocidente, que cada vez mais parece enredado na superficialidade, em questiúnculas vazias, onde todos mais do que verdadeiramente ser, querem apenas parecer.
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