Continuamos hoje, ao domingo, a nossa análise acerca do que se passa no mundo. Significa isto, que permanecemos metamorfoseados em comentadores, e mais concretamente numa espécie de mix Rogeiro-Milhazes, e que estamos aqui prontos para fazer longas considerações estratégicas relativas à geo-política global.
Ambição não nos falta, como já demonstrámos no dia de ontem, em que fizemos aprofundados comentários acerca do que se passou em cidades como Nova Iorque, Londres, Paris e Madrid desde de finais do século XX para cá, para que em todas elas, as expectativas de paz e prosperidade vindas dos anos 90 se tivessem dissolvido em pó.
Aqui fica o nosso texto de ontem:
Vamos agora então ao segundo capítulo de “Nós temos a explicação para tudo o que agora se passa no mundo!”. A conclusão geral a que ontem chegámos é a de que o clima atual é sobretudo feito de desilusão e ressentimento.
Por todo o Ocidente, as gentes sentem-se desiludidas e ressentidas, pois têm a sensação que este nosso presente não cumpriu as promessas e está muito abaixo das expectativas.
Por exemplo, no final do século XX, o que nós imaginávamos era que a tecnologia se desenvolvesse e houvessem máquinas que passassem a roupa a ferro, que limpassem a casa e fossem às compras, tudo isso para que nós pudéssemos ter tempo para escrever ou pintar. No entanto, o que existe agora é uma inteligência artificial que escreve poemas e cria imagens e continua a caber-nos a nós humanos, limpar a casa e ir ao supermercado. Está mal!
Em Novembro do passado ano de 2024, realizou-se um encontro nos Estados Unidos de jovens dos 18 aos 35 anos pertencentes a uma associação que conta com mais de mil membros. O encontro deu-se na cidade Nashville e o motivo que os juntou é que todos têm um problema em comum que os aflige, a saber, são filhos de multimilionários.
Estes jovens vivem na amargura pois atingiram a idade adulta e perceberam que vão herdar milhões e que nada precisam fazer na vida. Não precisam de procurar um emprego, não necessitam demonstrar qualquer mérito ou submeter-se a qualquer prova, pois façam lá o que fizerem, só por existirem já são super-ricos.
Ora bem, tendo nós tomado conhecimento das aflições existenciais destes jovens, o sentimento que nos ocorre só pode ser de revolta, ou seja, de pensarmos que estão a gozar connosco. Na verdade, o que nos apetece é citar o Zé Milhazes, quando ele instado a comentar a guerra, disse em direto na televisão “A guerra que vá para o…”, nós poderíamos dizer quase o mesmo, ou seja, “Jovens filhos de multimilionários com problemas existenciais vão para o… olhem… vão mas é trabalhar!”
Abaixo uma bonita homenagem da azulejaria portuguesa ao mais talentoso comentador nacional da atualidade internacional.
Se os nossos leitores repararem bem, neste nosso texto já estamos a destilar alguma revolta e ressentimento, então no final do século XX diziam-nos que num futuro próximo iríamos todos ter mais tempo livre para sermos criativos, dado que os computadores assumiriam as partes chatas das nossas tarefas, e agora, chegados a 2024, são os computadores que escrevem poesia e criam obras de arte?! Mas que vem a ser isto?! Isto é gozar com quem trabalha!
Mais gozar com quem trabalha é, que em Nashville os meninos super-ricos se reúnam para se consolarem uns aos outros pela infelicidade que lhes calhou em sorte, ou seja, serem herdeiros de multimilionários!
No final do século XX andava no ar a promessa que com o fim da Guerra Fria, o comércio e a indústria ir-se-iam desenvolver a uma escala nunca vista, e que todos nós iríamos ficar mais ricos. Afinal, em 2024, viemos a verificar que não foi bem assim, que houve sim uns poucos que enriqueceram a uma escala nunca antes vista, cuja dimensão é tão grande, que até deixa os seus filhotes assustados com a vida.
Assim sendo, já temos aqui duas promessas vindas do final do século XX que não se cumpriram, uma, a tecnologia não nos trouxe mais tempo livre, e duas, a riqueza não está melhor distribuída, muito pelo contrário.
Andrea Rizzi é um autor italiano que analisa a realidade e as grandes transformações sociais, segundo a sua teoria, atualmente vivemos na era da grande hipnose. E o que é a “grande hipnose"?
Segundo Rizzi, as classes trabalhadoras sentem que o sistema não as favoreceu, por consequência, formou-se então um crescente ressentimento que as formações nacional-populistas alimentam, e do qual se alimentam. A grande hipnose, é que essas classes insatisfeitas acabem por elevar ao poder, precisamente as forças que não defendem os seus interesses, que defendem até os interesses opostos.
A este propósito, transcrevemos um excerto de uma entrevista de Andrea Rizzi: “As classes populares não são nada estúpidas. São pessoas inteligentes, assim como qualquer outro. Podem ter menos cursos de mestrado em Harvard, mas são pessoas inteligentes. Mas eles e todos nós podemos ser vítimas de enganos, sugestões, armadilhas. O Brexit é um desses casos. Foi uma revolta nacionalista inglesa da classe trabalhadora das áreas periféricas, mas quem a pilotou? A elite conservadora. O Brexit beneficiou as classes populares britânicas? Bem, tenho sérias dúvidas disso. Existem mecanismos que conseguem a hipnose, estamos todos expostos a isso e muitos deixam-se arrastar”.
No seu livro “A Era da Vingança”, Andrea Rizzi estuda a ascensão de forças populistas, nacionalistas e xenófobas que trazem consigo propostas identitárias e protecionistas. Tudo isso sucedeu graças à era da globalização e às surpreendentes revoluções tecnológicas, um sistema que levou à deslocalização de empregos industriais estáveis, à pressão salarial descendente devido à concorrência no mercado e à dificuldade de acesso à habitação.
É precisamente esta frustração de um grande número de pessoas, que levou Trump a ganhar terreno entre os próprios latinos e afro-americanos. Tal circunstância fez com que as classes altas esfregassem as mãos de contentes, por terem à sua disposição um terreno fértil para gerar políticas nacionais populistas apoiadas por magnatas tecnológicos como Elon Musk.
A rede social X permite-se níveis de manipulação que levam a uma espécie de hipnose. A sua força distractiva é tão grande, que consegue promover um capitalismo selvagem impulsionado pela agitação das classes trabalhadoras e pela sua perda de estatuto. Na realidade, são precisamente os mais prejudicados com o capitalismo selvagem, aqueles que manipulados levam ao poder quem mais os prejudica.
Desde a década de 90 do século XX que os partidos progressistas ocidentais foram abandonando o seu perfil tradicional, ou seja, o de serem forças de contenção do capitalismo. Era precisamente isso o que antes os identificava com as classes trabalhadoras.
Tais partidos limitaram-se a apostar numa redistribuição modesta, o que levou à indignação das classes populares. Atualmente esses partidos progressistas parecem estar voltados única e exclusivamente, para determinados grupos em risco de discriminação, como determinados setores de mulheres, homossexuais, pessoas trans e imigrantes. Por consequência, o progressismo deixou de ser uma referência para as classes trabalhadoras, como o era no século passado, que revoltadas se converteram a setores ultra-conservadores.
E pronto, com isto finalizamos este segundo capítulo de “Nós temos a explicação para tudo o que agora se passa no mundo!”, se ontem chegámos à conclusão de que o atual desconsolo do mundo, resulta do facto de após o fim da Guerra Fria, entre finais do século XX e início do XXI, existirem enormes expectativas de um futuro de paz, de alegria e de prosperidade para a humanidade, que se revelaram falsas, hoje chegamos à conclusão de que o atual clima de desilusão e ressentimento, é aproveitado pelos setores mais ricos e conservadores para se elevarem ao poder.
Em síntese, o descontentamento das classes sociais mais frágeis e prejudicadas é manipulado e colocado ao serviço das classes mais beneficiadas. Enquanto isso, os partidos mais progressistas centram-se exclusivamente em grupos minoritários e esquecem-se dos trabalhadores.
E pronto, terminámos, apostamos que se o Nuno Rogeiro e Zé Milhazes lerem esta nossa análise geo-política se vão roer de inveja.
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