Nós não sabemos bem quais são os méritos de Jessica Athayde, para além dos óbvios, no entanto, sabemos que aparece muito nas revistas e que fala abundantemente da sua vida pessoal. Por um mero acaso, descobrimos que a senhora andava com problemas, pois segundo o que ela publicamente revelou, durante uns tempos perdeu a libido e não tinha vontade nenhuma.
Disse mais, pois afirmou que tê-la-ia ajudado bastante, se temas como o que a atormentou fossem discutidos e não fossem tabu. Dito isto, nós estamos solidários, de facto é sempre chato ver uma mulher a andar por aí triste e infeliz, de libido perdida.
É em ocasiões como esta, que nos lembramos de Camilo Castelo Branco e das considerações que o escritor fez nos seus livros acerca do sexo feminino. A verdade é que talvez a Jessica Athayde não tenha tido um marido, que quando andava na escola, tenha lido o Camilo, sendo essa a causa original da sua infelicidade.
A frase que dá título a este texto é de Camilo Castelo Branco e foi originalmente publicada na novela “Mistérios de Lisboa”. A felicidade a que o autor se refere nessa frase, é uma muito específica, ou seja, refere-se à felicidade dos homens que têm sorte com as mulheres, isto no sentido em que as conseguem conquistar e seduzir facilmente.
Camilo aconselha os homens mais dotados em termos mentais, a que, caso queiram ter sorte com o belo sexo, abdicarem da sua inteligência. Daqui se infere, que se por acaso, um homem por razões genéticas e/ou educativas, já não é por natureza dotado com grandes capacidades cognitivas, então basta-lhe ser quem é, pois que com as mulheres estará garantido.
Camilo Castelo Branco era um homem inteligente, facto que, segundo ele, lhe causava grandes dissabores com as mulheres. Mais a mais, dizia-lhes o que lhe parecia bem dizer-lhes, sem levar em grande conta as convenções e os jogos sociais habituais nas conversas entre homens e mulheres.
Para cúmulo, escrevia de forma exímia sobre o sexo feminino, expondo aos seus leitores o que sentem e pensam as mulheres, e o que se esconde por detrás das suas honradas famílias, das suas pensadas poses, dos seus lindos vestidos e dos seus bem cuidados penteados.
Agustina Bessa-Luis no seu livro “Camilo, Génio e figura”, diz a esse propósito o seguinte: “As mulheres têm horror a gente assim. A coisa com que mais embirram é ficar despenteadas. Não se importam de ficar desonradas, mas despenteadas é que nunca. E Camilo era um homem desses, um vendaval, um ciclone do alfabeto, uma barafunda de pretextos para arrepiar os cabelos das famílias na sala de baile”.
Vejamos mais detalhadamente o que nos diz Camilo acerca de tudo isso. Seguindo a sua teoria, um homem que queira ser feliz com as mulheres deve abandonar o senso comum, para além de abdicar da inteligência, deve também dar-se ares de culto e intelectual, mesmo que atribua a autoria de obras literárias e musicais aos primeiros nomes que lhe passem pela cabeça, deve ainda lisonjear a dama que pretende conquistar com frases de grande efeito estético e, por fim, não deve esquecer-se de se fazer de vitima.
“Ris-te?... Se queres ser feliz abdica da inteligência, convence-te, e convence os outros de que és um pária do senso commum, entra nesses camarotes, e diz que a letra do «Barbeiro de Sevilha» é de Voltaire, e a composição do maestro Spinosa; vira-te para a vítima predestinada, e diz-lhe que a música é a voz mística dos anjos confidentes das paixões delirantes, que dos olhos dela deviam partir as inspirações que arrebataram Raphael d'Urbino, que farás autor da «Norma». Se ouvires uma gargalhada insofrida, deixa-os rir; continua; faz-te vítima interessante, acolhe-te à piedade da dama, e fala-me depois...”
Os conselhos de Camilo relativamente à forma como um homem deve lidar com as mulheres, não se resumem ao momento prévio à conquista, o autor tem outras recomendações para partilhar com os seus leitores.
Vejamos uma outra consideração de Camilo sobre como homens (e mulheres) poderão viver felizes. Segundo o autor, para que haja felicidade num casal, é decisivo que uma mulher fale e, mais do que isso, que se sinta não só ouvida, mas também escutada.
Citemos nesse contexto uma passagem do romance de Camilo, “Um Homem de Brios”: “A ofensa que uma mulher nunca perdoa é — a insolência de ouvi-la, sem escutá-la. Vejam num dicionário a diferença das duas palavras. Escutar é querer ouvir. Uma bela mulher, capaz de extremos, tentou a franqueza do amante que, em vésperas de matrimónio, lhe disse: «não fales tanto.» A noiva pesou estas palavras, reflectiu, calculou as suas forças, chorou, atormentou-se, e disse: «não me casarei: é impossível calar-me.» Para que me não tomem isto como anedota, é preciso dizer-lhes que esta mulher foi acerbamente ferida no seu orgulho. O orgulho da mulher faladora, uma vez ferido, é incurável.”
Abaixo uma imagem de uma polémica escultura inaugurada há uns tempos no Porto, onde Camilo Castelo Branco apalpa o rabo de uma senhora desnuda. Assim de repente, parece não estar muito atento ao que ela lhe diz.
“O Que Fazem Mulheres” é uma paródia de Camilo aos folhetins românticos. O livro inicia-se com uma conversa entre mãe e filha, em que a progenitora tenta convencer a rapariga a casar-se por dinheiro e não por amor.
Camilo conta-nos a história de vida de Ludovina, uma jovem bela, mas sem dote que lhe permita arranjar marido. Sem intenções sérias, namora-a Ricardo de Sá, um homem ambíguo e um pinga-amor, que dela diz o seguinte: “Lisonjeia um amante, mas não pode satisfazer as complicadas necessidades dum marido.”
Há um outro homem na existência de Ludovina, João José Dias, regressado do Brasil, muito rico, muito velho, muito gordo. O pai de Ludovina, Melchior Pimenta, tinha prometido a João José Dias a sua filha e cumpriu a sua promessa, isto apesar dela considerar o seu pretendente e futuro marido profundamente feio.
“Olha filha, se te não fosse penosa a experiência, deixava-te casar por paixão”, ouve Ludovina dizer a sua mãe, ficando com o coração despedaçado, mas aceitando a sua sina de ter de se casar com João José Dias.
Claro que já casada e instalada, Ludovina reencontra Ricardo de Sá. Como o marido é muito ciumento e desconfiado, a partir daqui a história desenrolar-se-á entre cenas de adultério e alguns tiroteios.
O livro “O que fazem as mulheres” possui algumas particularidades, tem um capítulo avulso (para ser lido na altura em que o leitor assim o desejar) e um capítulo fechado de cinco páginas que, nas palavras do próprio Camilo, “…é melhor nem lerem”.
O autor escreveu dois prólogos, um dedicado “A todos os que lerem’’ e o outro destinado “A alguns dos que lerem”. Camilo avisa desde logo os leitores sobre o que os espera: “É uma história que faz arrepiar os cabelos. Há aqui bacamartes e pistolas, lágrimas e sangue, gemidos e berros, anjos e demónios. Isto sim é que é um romance”.
Todas estas e muitas outras reflexões que Camilo fez, seriam hoje em dia impossíveis de ser feitas, pois que quem as fizesse seria imediatamente considerado um misógino, um machista, um bruto e sabe-se lá que mais.
Estes nossos tempos são muito sérios, sendo que, a comicidade própria da escrita de Camilo não seria certamente bem-vista e nem sequer compreendida. Se Camilo vivesse e escrevesse no século XXI, provocaria instantaneamente uma gritaria desenfreada, altos lamentos e a incontinência opinativa tão característica da atualidade, elevar-se-ia até um ponto raras vezes antes visto.
Em 2025 são já infrequentes aqueles que não se tomam a si mesmo muito a sério e que não se lamentam amargamente por tudo e por nada, para todos eles, mais um excerto de Camilo: “A seriedade é uma doença, e o mais sério dos animais é o burro. Ninguém lhe tira, nem com afagos nem com a chibata aquele semblante cabido de mágoas recônditas que o ralam no seu peito.”
Estranhamente, no nosso tempo, são muitas e muitos os que parecem ter abdicado da inteligência, mas não é por isso que se sentem mais felizes. Se Camilo fosse vivo, provavelmente contradiria o que no seu tempo disse e dá título a este texto, e haveria de dizer assim: ó gentes da minha terra, se é para andares descontentes, infelizes e em constantes lamentos, talvez mais valha afinal não abdicares da vossa inteligência.
Corria o ano de 2012 e era então ministro da educação o Doutor Nuno Crato. Nesse tempo debatia-se publicamente se porventura a obra de Camilo Castelo Branco não deveria ter uma maior presença nos currículos escolares.
Em março de 2012, o jornal Público dava o seguinte título a uma notícia: “Ministro da educação promete maior destaque à obra de Camilo Castelo Branco no secundário”.
Citemos um excerto da dita notícia: “Falando durante a inauguração de um centro escolar do concelho, o autarca de Famalicão, Armindo Costa, manifestou o seu desencanto pelo fim do estudo da obra de Camilo no ensino secundário, concretizada antes de o actual Governo ter assumido funções. Em 2012, comemoram-se os 150 anos da publicação do livro Amor de Perdição. Pensamos que a melhor maneira de o Ministério da Educação e da Ciência honrar a figura de Camilo Castelo Branco e o ensino da Língua Portuguesa seria reintegrar o seu estudo no plano curricular do ensino secundário, sublinhou Armindo Costa. O ministro da Educação respondeu afirmando que há decisões que não se percebem…”
Como seria expectável, desde 2012 para cá ficou praticamente tudo na mesma, no entanto, neste ano da graça de 2025, celebram-se os 200 anos do nascimento de Camilo Castelo Branco, e o lema das comemorações promete: “Rebelde sem repouso”.
Pode ser que com o destaque que lhe vai ser dado pelo seu bicentenário, Camilo volte a ser mais lido pelos alunos portugueses e que estes aprendam algo de útil para quando forem crescidos, ou seja, a serem homens e mulheres felizes sem terem de abdicar da inteligência, em síntese, gente com cabeça, coração e estômago.
Para terminarmos, um outro texto, que há já uns bons tempo dedicámos a Camilo, a esse demos o título “Amor é... uma bela chispalhada”:
Mesmo para acabarmos, desejamos uma rápida recuperação à Jessica Athayde.
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