Vá-se lá a saber porquê, mas o certo é que o pecado nunca mora longe, por alguma estranha razão, habita sempre nas imediações, quando não mesmo ao lado. A fé, a humildade, a paciência, a prudência e outras tantas virtudes têm tendência para residir em sítios distantes, mas já o pecado gosta de se domiciliar por perto, num local próximo, que fique mesmo à mão de semear.
Como ontem anunciámos, vamos hoje inaugurar uma série que se prolongará até ao final de Agosto. Dedicaremos este período de tempo a fitas de Verão, ou seja, a filmes cuja história decorre nos mais quentes dias do ano.
As razões pelas quais o fazemos foram expostas no nosso anterior texto, se alguém as quiser ler é só abrir o seguinte link:
https://ifperfilxxi.blogspot.com/2025/07/neste-verao-querem-ver-que-ha-fitas.html
Dito isto, vamos à nossa primeira fita desta série, “O pecado mora ao lado”. O título original da película é “The seven years itch”, o que, traduzido para português, daria qualquer coisa como a comichão dos sete anos.
Calculamos que muitos dos que nos lêem, não saibam que comichão é essa, ou seja, a dos sete anos, todavia, nós estamos aqui para vos esclarecer. Assim sendo, todos os que o queiram saber de que coceira se trata, o mais que precisam de fazer é simplesmente continuar a ler-nos.
A referida comichão é uma metáfora que tem a ver com uma certa coceira, que inevitavelmente assalta, todos os casais que estão casados há sete anos. Com efeito, e ao que se diz, ao fim desse longo período de tempo, é normal que os elementos constitutivos de um matrimónio se vão desinteressando um pelo outro, e que a relação se vá assim tornando um tanto ou quanto insípida.
Dado esse contexto, há quem sinta uma espécie de comichão e para a acalmar comece a fazer pesquisas exploratórias pelas redondezas, com o intuito de averiguar quais serão as excitantes possibilidades existentes fora do seu casamento.
O conceito metafórico de “The seven years itch” não pressupõe infidelidades, mas na verdade também não as exclui. Em síntese, trata-se de uma espécie de comichão que perturba e põe um ou os dois elementos de um casal a fazer contas de cabeça e às vezes até contas em pé. Sendo certo que tais cálculos dão sempre o mesmo resultado, ou seja, que dadas as devidas e adequadas circunstâncias, o pecado mora ao lado.
Quem vemos na foto acima, ao lado de Marilyn Monroe e a dar-se ares de grande sedutor, é Richard Sherman, um típico e sossegado homem de meia idade, e um atinado empregado de escritório.
O personagem vive e trabalha em Nova Iorque, sendo que, a mulher e o filho foram de férias para o campo durante o Verão. No entanto, por razões profissionais, ele teve de permanecer na cidade e não os pôde acompanhar, por assim ser, ficou sozinho em casa.
O filme “O pecado mora ao lado” inicia-se no momento em que após mais um extenuante dia de trabalho, Richard regressa a sua casa, da qual está ausente a restante família.
Decide abrir um refrigerante, uma vez que a esposa o fez prometer que não consumiria bebidas alcoólicas durante a sua ausência estival. Richard prepara-se para passar tranquilamente o tempo a ler, enquanto vai aguardando pela noite e pela hora de ir dormir.
Ao andar pela casa tropeça num patim ali deixado desarrumado no chão pelo seu filho. Põe-se então em busca do segundo, do que completa o par, de modo a não escorregar novamente. Nisto toca a campainha. Richard abre a porta e dá de caras com a nova vizinha, personagem interpretada por Marilyn Monroe.
Vejamos o momento em que Ricard conhece a nova vizinha, que neste caso não mora ao lado, mas sim no andar de cima. Seja como for, não mora longe.
Na cena seguinte à que vimos, vemos Richard estendido numa espreguiçadeira, no pátio exterior contíguo à sua casa. Prepara-se para se dedicar à leitura, todavia, nós, os espectadores, sabemos que ele, depois de ter visto Marilyn, já sente em si uma certa inquietude, o mesmo é dizer, alguma comichão.
Richard bebe o seu refrigerante, mas o sabor parece-lhe insípido e nada excitante, e é por isso que se levanta da espreguiçadeira para ir compor a sua bebida com um qualquer outro líquido, de forma a que o sabor seja mais estimulante. Em boa hora o fez, pois no exacto momento seguinte cai com estrondo um imenso vaso mesmo no sítio onde Richard antes se encontrava sentado.
Richard olha para o estrago provocado e irritado dirige palavras ásperas aos seus vizinhos de cima, acusando-os de descuido e de negligência. Diga-se de passagem, que o vaso continha um viçoso tomateiro, o que também não deixa de ser um significativo pormenor metafórico.
Nisto aparece à varanda a responsável pelo incidente, e não é que a dita é nem mais nem menos que a Marilyn Monroe. Como é evidente, vendo a nova vizinha, Richard muda imediatamente de atitude e desvaloriza a queda do vaso, considerando-a uma coisa menor e sem importância alguma.
A conversa vai-se desenrolando e sendo Richard uma pessoa hospitaleira, convida a Marilyn para vir beber um copo. Marilyn aceita o convite, mas diz que primeiro tem de se ir vestir, acrescentando ainda que nos quentes dias de Verão, costuma colocar a sua roupa interior no frigorífico, para que esta esteja sempre fresca.
Claro que tão engraçado costume faz com que Richard esboce um terno sorriso. Em síntese, o serão sossegado a ler um livro foi definitivamente colocado de parte, assim como as insípidas e nada excitantes bebidas refrigerantes. Vejamos então a referida cena:
A história segue o seu curso e Richard e Marilyn vão-se tornando íntimos, conversam, brincam, bebem champanhe, tocam piano e vão ao cinema juntos. É precisamente numa ida ao cinema, que se dá uma cena que com o tempo se haveria de tornar icónica.
Saída da sala de cinema, que dispunha de ar condicionado, Marilyn fica a arder de calor com a quentura que na rua se sente. Coloca-se então em cima de um respiradouro de metropolitano para tentar esfriar-se, pois daí é o sítio donde vem um refrescante vento.
Richard olha atentamente para a brisa fresca que sobe pelas pernas acima de Marilyn e vê o sugestivo esvoaçar do seu vestido. Ele é um homem casado e já de meia idade, e isso constata-se na sua cautelosa postura, pois mantém-se estático e de mãos metidas nos bolsos.
Marilyn é pelo contrário jovem, destemida, solta e solteira, e isso é manifesto na brilhante metáfora visual que é essa cena, na qual contemplamos uma mulher feita, a deixar vir por si adentro um prazeroso vento que cesse o intenso e imenso calor que sente.
Em resumo, devido a esta sua tremenda riqueza metafórica, esta cena ficou para a história da sétima arte e tornou-se uma imagem icónica, daquelas que permanecem na imaginação de todos para sempre.
Poderão agora os nossos leitores pensar, que o filme “O pecado mora ao lado” é uma película imoral, pois parece ir contra os valores familiares e a fidelidade conjugal, e ainda por cima aborda temas impúdicos como comichões e calores.
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