Essa nossa escolha não se deve a termos qualquer espécie de saudosismo doutros tempos, mas deve-se sim, ao facto de os grandes filmes antigos apresentarem imagens mais interessantes e histórias mais originais e profundas do que a larga maioria dos actuais.
Não estamos sozinhos nessa nossa opinião, como prova disso mesmo, veja-se que o Cinema Nimas em Lisboa, que se dedica sobretudo a passar os clássicos da sétima arte, durante o primeiro semestre de 2025 foi a sala do país inteiro que maior taxa de ocupação teve.
Nesta primeira semana de Agosto, o Nimas bateu recordes de assistência para esta época do ano, com cerca de 2.800 espectadores, e isto quando apresenta um extenso ciclo dedicado aos “Anos de Ouro do Cinema Italiano”.
Nós próprios, neste nosso ciclo de escritos, já dedicámos um texto a uma dessas fitas dos anos de ouro do cinema italiano, a saber, ao filme “A Ultrapassagem”:
https://ifperfilxxi.blogspot.com/2025/07/neste-verao-querem-la-ver-que-ha-fitas_30.html
O que o sucesso do Nimas prova, é que as gentes estão fartas de ver sempre as mesmas imagens e histórias, essas que nos servem, e querem portanto ver algo de mais fundo e autêntico.
Não é só por cá que isso se passa, em Bristol, a estância balnear por excelência dos ingleses, há um prestigiado festival de Verão dedicado aos filmes clássicos, chama-se Cinema Rediscovered.
Não por acaso, nesta presente semana, os ingleses, enquanto passam as férias em banhos nas praias de Bristol, descobriram com espanto e admiração um clássico português, que muitos portugueses ainda não conhecem, “Belarmino”, um filme de 1964, realizado por Fernando Lopes.
A exibição de “Belarmino” foi um sucesso em Inglaterra e deu direito a notícias nas secções culturais dos principais jornais britânicos. Aqui fica um excerto desse filme, que conta a história real de um boxeur lisboeta, através de imagens plenas de profundidade e autenticidade:
Actualmente, sejam nos ecrãs digitais ou televisivos, seja nas salas de cinema dos centros comerciais, todas as histórias parecem dizer o mesmo. Repetem-se até à exaustão os mesmos clichés narrativos, e as imagens têm todas um mesmo e único objectivo, ou seja, dar espectáculo.
Tudo é tão só e somente espectáculo, seja de tragédias que se fale, seja de alegrias, seja de aventuras, seja de momentos históricos, seja de banalidades, seja de super-heróis, seja de política, seja de futebol, seja de gente comum, seja de amores e de desamores, ou seja lá qual fôr o tema, o certo é que a estrutura narrativa é sempre igual, e tem como objectivo fundamental realçar o lado espectacular de tudo o que existe e acontece.
Dos Smartphones às TV’s, passando pelas telas de cinema e outras, todas as histórias e imagens nos querem dizer o mesmo, a saber, que estamos a ver algo de espectacular. Tanto faz que seja algo de triste ou algo de jovial, o que interessa é que encha o olho e seja um espectáculo.
“A sociedade do Espectáculo” é a mais famosa obra filosófica de Guy Debord. É uma análise impiedosa de como as imagens espectaculares invadiram todos os domínios do nosso quotidiano.
O espectáculo, segundo o autor, é “uma droga para escravos” que subtrai autenticidade à vida." Para Guy Debord, quanto mais o espectador aceita identificar-se com as imagens espectaculares, menos compreende a essência da sua própria existência.
Não há um Verão português, sem que os bombeiros estejam no centro dos acontecimentos. Imagens de incêndios e das aflições e dramas que deles resultam, são o triste espetáculo que repetidamente nos apresentam nesta época do ano.
É fatal como o destino, chega o tempo quente e há fogos por todo o lado, de norte a sul do país. Há décadas que é assim, e não se vislumbra forma de que alguma vez venha a ser de outra maneira.
A propósito dos incêndios, aparecem nas TV’s jornalistas, especialistas, comentadores, autarcas e ministros, todos a dizer o que deve ser feito para que a situação não se volte a repetir, depois vem o Outono, nunca mais ninguém se lembra do assunto, passa-se mais um ano e tudo se repete e arde novamente.
Nós não somos especialistas em fogos, na verdade não sabemos absolutamente nada sobre o assunto, tirando aquilo que ouvimos dizer nas TV’s. No entanto, há uma coisa que sabemos, é que durante o Verão, jornalistas, especialistas, comentadores, autarcas e ministros não se cansam de fazer o seu espectáculo, e disso faz parte, distribuírem imensos elogios e louvores aos bombeiros.
É certo que o trabalho dos bombeiros é arriscado e penoso, e deve ser elogiado e louvado, todavia, aquilo de que nós desconfiamos, é que muitos desses elogios e louvores, quando são feitos por certos jornalistas, especialistas, comentadores, autarcas e ministros, não são assim muito sinceros, pois resultam da vontade que há de dar espectáculo.
“Olhem para mim aqui tão solidário, empático e humano, a elogiar e a louvar o trabalho dos bombeiros. Sou ou não sou uma pessoa espetacular?”
Durante o resto do ano, pouco ou nada parece ser feito para evitar os fogos no tempo quente, depois, quando já está tudo a arder, elogiam-se e louvam-se os bombeiros, no que é sempre um espectáculo de solidariedade, humanismo e empatia, com efeito garantido.
Nós estamos em crer, que os bombeiros dispensariam tantos louvores e elogios, e prefeririam antes que não existissem tantos fogos durante o Verão.
Digam lá, se é ou não uma ideia de aplaudir, esta de durante o resto do ano preparar as condições necessárias para que no Verão não haja tantos incêndios. A nosso ver sim, é uma ideia que mereceria aplausos, sobretudo os dos bombeiros.
A imagem acima é retirada do filme “O Baile dos Bombeiros”, uma película checoslovaca, realizada em 1967 por Milos Forman. Um clássico.
O corpo de bombeiros de uma pequena cidade da Checoslováquia organiza um baile, que inclui rifas e um concurso de beleza. Porém, durante o decorrer do baile, sucede algo inesperado, uns quantos dos prémios que tinham sido doados para as rifas, desaparecem misteriosamente. Garrafas, bolos caseiros, bugigangas e bibelots sumiram-se.
O chefe dos bombeiros decide tomar conta da situação, sobe ao palco, toma a palavra e diz aos presentes não querer culpar ninguém, e nesse sentido, manda apagar as luzes do salão, para quem quer que tenha retirado os prémios, os reponha colocando-os no sítio onde antes estavam.
A intenção do chefe era boa, pois assim ninguém seria acusado de roubo, todavia, foi pior a emenda que o soneto, pois mal as luzes se apagaram, desapareceram, e também misteriosamente, mais uns tantos prémios.
Um dos elementos do corpo de bombeiros é apanhado com a boca na botija, vai daí desmaia, não por inalação de fumo, mas sim para disfarçar o ter sido apanhado em flagrante delito:
Mas se as rifas não correram bem, o concurso de beleza não correu melhor. As belezas locais não queriam participar e tiveram de ser requisitadas à força. Por fim, quem venceu foi a filha de um sub-chefe dos bombeiros, que não era certamente a mais bonita e linda das meninas.
O júri do concurso de beleza era constituído pelos elementos da corporação de bombeiros. Na cena abaixo, vemos a forma como os soldados da paz recebem as diversas concorrentes.
“O Baile de Bombeiros” é uma metáfora sobre o modo como na Checoslováquia daqueles dias, nada funcionava como era suposto funcionar. O filme estreou e foi um enorme sucesso, pois os checos perceberam imediatamente qual era a sua intenção.
Passado pouco tempo, a censura também o percebeu. Tal como o resto, a censura também funcionava como funcionava. Tendo-o percebido, o filme foi proibido e o seu realizador, Milos Forman, acabou por deixar a Checoslováquia para se refugiar na América.
Nessa época, na Checoslováquia, só eram permitidas as histórias e as imagens de sempre, histórias e imagens diferentes, não eram permitidas.
Abaixo uma imagem de propaganda da grande Checoslováquia comunista, na qual se conta a história de um país feliz, solidário e humanista.
E pronto, por aqui terminamos este nosso texto sobre países que não funcionam e nos quais se contam sempre as mesmas histórias e se mostram repetidamente a mesmas imagens.
Em breve, outra fita, neste blog.
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