O Professor de Yale, Nicholas A. Christakis, previu que em 2024 vamos iniciar uns novos “loucos anos 20”, tal e qual como os de há um século. Para nos irmos preparando para as loucuras que aí vêm, fomos vendo em textos anteriores publicados neste blogue o que se passou há cem anos pelo mundo fora. Hoje iremos dedicar-nos ao nosso Portugal.
Para dar o tom, no início deste texto temos uma imagem de uma obra dos anos 20, da autoria de Almada Negreiros: “Jazz”. Foi encomendada para um casino em Madrid, onde permaneceu durante décadas, atualmente encontra-se no Museu do Chiado em Lisboa.
O que nos propomos hoje fazer, é verificar cientificamente em que capítulos da vida nacional evoluímos em loucura desde os anos 20 de há um século para os atuais, e verificar igualmente os capítulos em que regredimos.
Faremos assim um balanço, de modo a que quem de direito possa pôr em prática as reformas estruturais necessárias para colmatar os nossos défices, e também tomar as indispensáveis medidas para consolidar os progressos alcançados nestes últimos cem anos pela lusa nação.
Neste entretanto, se houver quem queira rever a matéria dada e ver o que se passou pelo estrangeiro, aqui fica:
Entre as gentes de categoria de há um século, havia um chiste em que se dizia assim : “Portugal é Lisboa, Lisboa é o Chiado e o Chiado é o Marrare”. Como o chiste já deixa adivinhar, os loucos anos 20 lusitanos limitaram-se a sê-lo apenas para uns poucos, a elite endinheirada, e tão-somente nuns quantos locais da capital.
Genericamente, tudo se passou numa meia-dúzia de quarteirões situados ali para o Chiado e suas imediações, e por uns quantos cabarés situados na Avenida e arredores.
Longe desses pontos, para as gentes comuns, os anos 20 lusitanos de loucos tiveram pouco. O mais que havia era tentar ir-se sobrevivendo e comendo todos os dias. Era assim a vida, festas era só para quem podia e não para quem queria.
Ora bem, a primeira avaliação a fazer, é a de que no capítulo das festas, estamos muito mais evoluídos agora, nos anos 20 do século XXI, do que estávamos no século XX.
Houve importantes e evidentes progressos. É só ir ver as TV’s, ele é o “Festa é festa”, o “Portugal em festa”, o “Olhá festa”, o “Hoje há festa” e sabe-se lá o que mais. É um fartote, toda a malta se diverte.
Para além do mais, atualmente não há vila nem aldeia deste país que não tenha a sua festa ou festival, seja das castanhas, do borrego, do repolho, dos queijos, dos enchidos, das sardinhas, da Senhora da Agonia ou um mercado medieval, há de tudo o ano inteiro e para todos os gostos, paladares e carteiras. Há folia de norte a sul de Portugal. É uma loucura, toca a ir aproveitar. Maria vais com as outras, se não cantas, danças.
Mesmo que os loucos anos 20 não tivessem sido lá essas coisas na totalidade do território nacional, ainda assim houve algumas coisas a que vale a pena ir espreitar. E porque não ir precisamente ao já referido Marrare, um ilustre café de antigamente.
Na década de 20, o Marrare passou a chamar-se Café Chiado, que era um nome mais moderno e sofisticado. Ao que se dizia, bebia-se por lá do fino e era um estabelecimento do mais chique que existia. Serviam-se almoços, chás elegantes e torradas, havendo inclusivamente um quarteto musical para animar a requintada clientela. Abaixo uma foto de uma passagem de ano desses tempos.
Os loucos anos 20 portugueses do século XX deixaram-nos algumas lições históricas que podem vir a ser úteis no século XXI. A primeira delas, é que ao longo dessa década o país conheceu seis Presidentes da República e trinta e um governos.
Em termos de loucura não parece nada mau. No capítulo político parece que no século XXI regredimos bastante, nada é tão louco como o era há um século. Atualmente os governos e os presidentes duram muito mais tempo. No entanto, a avaliar pelos últimos acontecimentos, cresce a esperança que entremos num período de grande instabilidade, que os governos passem a durar apenas uns meses e andemos constantemente em eleições. Com um poucochinho de sorte, ainda vamos ter uns loucos anos 20 políticos no século XXI mesmo à maneira.
O problema de há um século, foi que havia poucos que gostassem de loucuras e muitos a crer que o respeitinho era muito bonito. Vai daí, logo a partir de 1926, deu-se início a quarenta e oito anos de ditadura, para que todos aprendessem de vez a não andar na galhofa com a pátria amada.
Assim sendo, no respeitante ao capítulo das loucuras políticas, é difícil de se prever o que vai suceder, pois começaram a ressurgir vozes como as de há um século, a dizer que isto é tudo uma grande bandalheira, que é preciso pôr a educação, a saúde, a justiça e o que mais houver na ordem e arrumar de vez a casa. A ver vamos o que para aí vem.
Abaixo a primeira página do Diário de Notícias do dia 6 de junho de 1926, quando na Avenida da Liberdade em Lisboa, após tomar posse, Gomes da Costa comandou um desfile militar de 15 mil homens, para celebrar a vitória do golpe que acabou com as loucuras e pôs tudo a andar certinho e direitinho durante as seguintes décadas.
Foi precisamente na Avenida Liberdade e arredores, que uns tempos antes, no início dos loucos anos 20, surgiram uns quantos cabarés. O mais afamado era o Maxim’s, que primeiro se instalou no Palácio Foz aos Restauradores, mas que depois, durante largas décadas, até já bem dentro do século XXI, teve continuidade como Cabaré Maxime e ficava ali à Praça da Alegria, 58-A, Lisboa.
Se a partir de 1926 com a pátria portuguesa já não se podia brincar, ainda assim, tal não significou que não se pudesse continuar a andar na ramboia, desde que fosse com espanholas, não havia problema.
Era assim que as coisas então se faziam, nesse final dos anos loucos anos 20 em Portugal. Com a pátria era uma coisa mesmo à séria, com as espanholas era para a pândega.
No Cabaré Maxim’s havia cantoras, actrizes, bailarinas e alternadeiras vindas de Espanha, que nesse local fizeram o quartel-general donde lançavam eficazes ataques às tropas nacionais. Como era tudo na brincadeira, não fazia mal.
Abaixo um cartaz do Maxim’s de outros tempos.
Depois de uns anos encerrado, recentemente o Maxime reabriu, mas parece que agora é uma coisa mais para turistas e já não há espanholas a bailar e a atacar as tropas, como as havia nos tempos de outrora. É pena, nesse capítulo só podemos concluir que estamos muito menos evoluídos atualmente, do que estávamos nos loucos anos 20 do século XX.
Se falarmos das mulheres portuguesas, que das espanholas que por cá andavam já falámos bastante, há um século as feministas organizavam congressos e revoltavam-se “contra a sua condição de animais domésticos”, mas por outro lado, havia quem também à época lançasse o alerta, de que as loucuras dos anos 20 são muito “prejudicais às futuras mães”.
Neste, como noutros capítulos, então como agora, há sempre quem puxe mais para um lado e quem puxe para o outro. Desde que não se aleijem, está tudo muito bem.
Em síntese, hoje vimos as evoluções e retrocessos desde de há século para cá, abordámos temas como as festas, a política, as relações ibéricas, a restauração e a condição feminina, nada mal, pois não?
Parece-nos que temos aqui um diagnóstico preciso e completo que pode certamente servir de base para a tomada de decisões individuais e coletivas para os loucos anos 20 que aí vêm, que, segundo os melhores especialistas, se iniciarão já em 2024.
Ao que se diz, o dito que andava pelas bocas de toda a gente há cem anos era “Come, bebe e sê feliz, amanhã... morremos." Nós agora vamos comer e beber qualquer coisinha, e amanhã continuaremos a nossa viagem destes últimos dias do ano pelos loucos anos 20.
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