Entre
Manhufe e Paris há uma grande diferença, o primeiro sítio é um lugar quase
desconhecido do concelho de Amarante, o segundo é uma espécie de capital do
mundo. Por assim ser e sempre o ter sido, era altamente improvável que alguém
tivesse uma íntima ligação com esses dois locais. Todavia, mesmo sendo
inverosímil que tal pudesse acontecer, foi essa a maravilha que sucedeu com
Amadeo de Souza-Cardoso.
Vem isto a propósito, de por estes dias andarmos a escrever sobre as sete maravilhas de Portugal, que não aparecem nas revistas nem dão na televisão. Num primeiro momento falámos das primeiras três, da Cinemateca em Lisboa, do CAV em Coimbra e do MACE em Elvas. Num segundo instante, da Casa de Chá da Boa Nova em Leça da Palmeira.
Aqui ficam essas duas etapas anteriores, para quem as quiser ler:
https://ifperfilxxi.blogspot.com/2024/05/sete-maravilhas-de-portugal-as-tres.html
https://ifperfilxxi.blogspot.com/2024/05/sete-maravilhas-de-portugal-quarta.html
Feitas as
contas, já escrevemos sobre quatro maravilhas nacionais, portanto, hoje vamos à
quinta. Como já calcularão, pelo que antes dissemos, nesta nossa visita iremos
em direção ao Minho, quase para Trás-os-Montes, mais concretamente, para
Amarante.
Talvez quem
nos lê, já esteja a pensar que vamos falar de belas minhotas, das carnes do
Marão ou de verdes vinhos, mas não, o assunto é distinto. No entanto, não há
razão para qualquer desilusão, pois mesmo não havendo minhotas, nem carnes, nem
vinhos, há Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918).
Na verdade,
embora Amadeo pudesse por si só ser considerado uma maravilha nacional, do que
na realidade hoje vos queremos falar não é só dele, mas também de um museu que
ostenta o seu nome, e que se situa na já referida cidade de Amarante.
Esse museu é
a nossa quinta maravilha, a de hoje. É-o precisamente por ter uma preciosa
coleção de obras de Amadeo Souza-Cardoso, e isso não é coisa pouca nem
despicienda.
O pintor
nasceu no sítio de Manhufe, mas um dia partiu para Paris. Da mistura da sua
identidade minhota, quase transmontana, com o que foi vivendo e vendo na
cosmopolita capital francesa, surgiu uma arte de vanguarda alinhada com o que
de melhor e mais moderno se fazia nessa época pelo mundo.
Poder-se-ia
portanto dizer, sem receio de errar, que nos primórdios do século XX, Paris,
Nova Iorque, Londres, Berlim e Manhufe em Amarante, foram as capitais mundiais
das vanguardas artísticas internacionais.
Qual seria a
possibilidade, de num sítio escondido e rural do Minho, surgir um artista cujo
percurso se equipara aos maiores daquele tempo? Pouquíssimas, como é evidente.
Tal ter sucedido, é algo da ordem do milagre, o mesmo é dizer, do maravilhoso.
No dia em
que fez dezanove anos de idade, Amadeo partiu para Paris, instalou-se em
Montparnasse, o ponto de encontro preferido de intelectuais e artistas. Aí
viverá durante oito anos, convivendo com gente como Picasso, Chagall,
Modigliani e Delaunay. No entanto, regressará por diversas vezes a Portugal,
umas vezes para estadias mais longas e outras tantas para umas quantas mais
curtas.
Mais tarde
casou-se e estabeleceu-se definitivamente em Manhufe, mas ainda assim, ia de
vez em quando passar uns tempos a Paris, sitio onde já gozava de um grande
prestígio artístico. Não era só conhecido nessa cidade, pois o certo é que em
1912 expôs em Nova Iorque e em Berlim, e em 1914 em Londres e em Milwaukee.
A sua
primeira exposição em Portugal foi no Porto, em 1916. Em apenas doze dias foi
visitada por 30.000 pessoas. Número impressionante para a época. A exposição
provocou um enorme escândalo e houve quem cuspisse e desse pancada nos quadros.
A imprensa
nortenha de então disse que Amadeo parecia ser “um moço inteligente e audaz”, mas que nele se detetavam “graves indícios de alucinação artística”.
Os críticos da época descreveram a sua obra como sendo uma "arte de loucos, de manicómio".
Veio depois
a Primeira Grande Guerra (1914-1918) e os tempos não erma propícios para
viagens, nem para exposições artísticas. Amadeo foi ficando por cá, não foi à
guerra, mas acabaria por morrer na mesma e ainda para mais bastante jovem. Em
1918, foi uma das muitas vítimas da pneumónica.
Daí para a
frente, exceto uns poucos, nunca mais se lembraram dele. A sua obra só voltou a
ter novamente a devida atenção, já depois da década de 80 do século XX, após a
inauguração do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, onde se expunham algumas
das suas pinturas.
Desde então,
a Gulbenkian dedicou-lhe várias exposições e uma vez redescoberto,
imediatamente também no estrangeiro lhe começaram a dedicar grandes mostras.
Primeiro em Bruxelas em 1991 no âmbito da Europália, depois em Washington, “At the Edge: A Portuguese Futurist” em
1999, seguidamente em Hamburgo, em 2017, “Ein Pionier aus Portugal”, e finalmente, em 2016, a maior de todas
elas, no imenso Grand Palais em Paris.
Mas dito
tudo isto, é justo que se diga que na sua terra, em Amarante, nunca dele se
esqueceram. Logo em 1953, no Convento Dominicano de São Gonçalo, foi inaugurada
uma sala em que se expunham exclusivamente pinturas suas. Mais tarde, em 1973,
iniciaram-se obras nos claustros destinadas a transformar esse antigo edifício
religioso naquilo que viria ser o Museu Amadeo de Souza-Cardoso, tendo a
inauguração acontecido por fim em 1988.
Em síntese,
se por um lado, no resto do país e do mundo, durante décadas, e com a excepção
de uns poucos, ninguém se lembrou de comemorar e dar a conhecer o nosso maior
artista de vanguarda, por outro, as gentes de Amarante desde cedo que porfiaram
para que Amadeo jamais fosse esquecido.
Que seja
numa pequena e pacata cidade do interior norte do país, o local em que se
encontre um museu consagrado ao mais destemido, cosmopolita e disruptivo dos
pintores nacionais, não é do nosso ponto vista algo de estranho e paradoxal, é
sim uma autêntica maravilha.
Maravilha
essa, que se junta à primeira, ou seja, ao ter sido nesse sítio, que fica
bastante distante dos grandes centros artísticos, o local onde Amadeo inventou
a arte moderna portuguesa, coisa que antes dele em nenhum outro lado do país
existia.
E assim
sendo, finalizamos por ora a nossa viagem às sete maravilhas de Portugal. Tendo
sido esta a quinta, falta-nos a sexta e a sétima, que ficarão para um outro
dia.
Mesmo para terminar, não nos vamos embora sem vos mostrar os tradicionais produtos do Minho, nem nos sentíamos bem, caso não o fizéssemos. Abaixo temos então frutos de verão de origem local, flores da região, bonecas e objetos de artesanato típicos dos mercados rurais e da arte popular minhota, como por exemplo, cântaros, braseiras e assadores de castanhas em barro.
Em Amarante
e na região circundante, a viola era e continua a ser, um instrumento muito
popular, assumindo especial destaque aquando de festas e romarias. Aqui fica a
imagem duma, acompanhada do resto, que de bom há no Minho. É uma pintura de Amadeo de 1916 e
o seu nome é “Trou de la serrure PARTO DA
VIOLA Bon ménage Fraise avant garde”.
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