Avançar para o conteúdo principal

Temos e há teoria da conspiração: hoje Rua do Benformoso n° 3

 

Findamos com o presente texto, uma série de três dedicados à Rua do Benformoso e à zona que a circunda, o bairro da Mouraria. 
Independentemente da pertinência e validade do conteúdo de tudo o que escrevemos, o que mais nos enche de orgulho e contentamento e não queremos deixar de assinalar, é o quão inventivos fomos nos títulos deste trio de textos.

Com efeito, mesmo que tudo o resto que neles escrevemos pouco ou nada valha, o facto é que conseguimos com quase as mesmas exatas palavras compor três títulos diferentes, mas muito semelhantes. Por alguma razão, que nem nós próprios percebemos qual, tal deixa-nos imensamente contentes e satisfeitos.

Bem sabemos que quem nos lê, há de pensar ironicamente de si para consigo “mas que grande feito três títulos diferentes mas quase iguais, pff….”. No entanto, e mesmo que os leitores desdenhem da nossa imensa alegria, para nós o tríptico de títulos distintos, mas afins constitui uma enorme proeza literária, que mereceria ficar para a eternidade como uma das maiores façanhas deste blogue. 
Atentem bem nesta divina triologia de títulos e digam lá se não é uma coisa para nos sentirmos inchados:

Devidamente realçado o primeiro ponto relativo aos títulos, vamos então a um segundo. Em todos os três títulos referimos a existência de uma teoria da conspiração, todavia, em nenhum dos dois anteriores escritos dissemos seja o que for acerca disso, por consequência, a pergunta que se impõe é se o vamos fazer nesta terceira e última redação dedicada ao assunto, ou não.

Desfazemos desde já o suspense, dizendo claramente que não. Ou seja, que apesar de anunciarmos em três títulos diferentes uma teoria da conspiração, nada vamos dizer acerca de tal tema.

Bom, talvez digamos um pouco, pois para nós, o recente e imenso destaque dado pelas notícias e pelos políticos à Rua do Benformoso e ao bairro da Mouraria não é inocente, ou seja, existe um interesse escondido e obscuro em tudo isto, uma qualquer conspiração destinada a causar um efeito que por ora ninguém está a ver (e nós também não).

A verdade é que não conseguimos compreender, como é que uma zona que ao longo da história sempre foi um território esquecido por onde deambulava gente que vive com a alma à margem, como por exemplo mouros, fadistas, prostitutas, alguns artistas, bêbados, poetas e imigrantes, se tornou agora alvo de grande atenção mediática.

O que terá sucedido nos últimos tempos para a Mouraria passar a ocupar o centro do palco? Procurámos, pesquisámos, matutámos e não conseguimos vislumbrar diferença alguma do antes para o agora, que justifique tanto destaque.

Tudo o que por lá existe já existia há muitos e bons anos, e o que dantes por lá existia, em certos recantos ainda persiste, portanto qual é a novidade? 

De resto, quem vivia ou passava pela Mouraria não era propriamente uma gente ordeira, que fosse muito respeitadora da moral e dos bons costumes. Abaixo uma foto de uma farra numa tasca, acompanhada por fados e guitarradas e regada com pinga da pipa.


Nos nossos dois anteriores textos, tentámos explicitar a ideia de que a Mouraria se caracteriza por ser um sítio de gente de alma à margem, ou seja, um território mais arisco ao cumprimento das regras e dos preceitos estabelecidos e habituais. Precisamente por essa razão, sempre foi um lugar propício para dar asas à criatividade e a atividades artísticas.

Há logo um primeiro exemplo disso mesmo, ainda referente ao tempo dos mouros, a saber, a arte mudéjar de origem portuguesa. Foi quando os mouros viviam na Mouraria, por ter sido esse sítio a eles destinado por D. Afonso Henriques após a conquista de Lisboa, que aí se inventou a milenar arte mudéjar (ou luso-mourisca), que posteriormente viria a ter uma influência determinante na criação do estilo manuelino.

Contudo, o estilo luso-mourisco atravessou os séculos e aparece em edifícios do século XIX como o Palácio Nacional da Pena em Sintra, o Palácio da Bolsa no Porto, a Casa do Alentejo e a Praça de Touros do Campo Pequeno em Lisboa. A influência moura entrou pelo século XX adentro e é bem visível, por exemplo, numa obra do arquiteto Souto Moura no Algarve, esta na imagem abaixo.


Após os mouros, a Mouraria haveria de tornar-se o epicentro da criatividade vadia, pois foi pelos seus lugares que nasceram alguns dos mais consagrados fados. 
Foi a liberdade, a vadiagem e a libertinagem com que as gentes desse bairro viviam, que deram origem a versos imortais, como por exemplo, aquele em que se canta uma das suas mais afamadas ruas:

Ó rua do Capelão juncada de rosmaninho
Se o meu amor vier cedinho
Eu beijo as pedras do chão
Que ele pisar no caminho

No início do século XX, é também pelos lados da Mouraria que vamos encontrar um poeta à margem, arisco e criativo, cuja vida desafiou as regras e os preceitos estabelecidos e habituais. ~

Nascido a 9 de Agosto de 1923 por acaso na Damaia , onde os pais estavam a passar férias numa quinta, Mário Cesariny cresceu na velha Rua da Palma, junto ao Martim Moniz.

Criado no coração dessa zona da cidade, em criança deambulava por tascas onde se cozinhavam grelos, bacalhau assado e iscas fritas. Mais tarde, já mais crescido, jantava em casa e saía para as ruas, bares e cafés até altas horas. 
Segundo disse, tudo lá parava por esses sítios: prostitutas, travestis, todos os marginais e toda a tropa que andava ao engate, fuzileiros, comandos e paraquedistas.

Volta e meia a polícia detinha Cesariny por vadiagem, mas isso não o impedia de continuar a andar na má vida. Em qualquer dos casos, foi ele que escreveu alguns dos mais belos poemas da literatura portuguesa do século XX, como por exemplo este:

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco

Se pensarmos bem nisso, vamos verificar que a rua é um tópico poético em muitos versos de fados que cantam a Mouraria, a Rua do Capelão, a Rua da Palma e outras mais. Tal e qual como a rua é assunto de muitos versos de Cesariny. Cremos que isso não é uma coincidência, pois a sua poesia está intimamente ligada à Mouraria, assim como esta está ligada ao fado vadio.

Ao que nem a poesia de Cesariny, nem o fado vadio, nem a Mouraria estão ligados é às gentes de bem, essas que agora se manifestam e clamam a Mouraria “é nossa”. Não é. É sim, sempre foi e será, daqueles que vivem de alma à margem, do modo como um dia disse Cesariny num seu célebre dito: “Só há três maneiras de viver neste mundo: ou bêbado, ou apaixonado, ou poeta”. 
A Mouraria é desses, mas também dos que a fizeram ao longo da história e a fazem a cada dia: os mouros, os fadistas, as prostitutas, alguns artistas, vadios e uns quantos imigrantes vindos de outros continentes.

Terminamos este nosso tríptico com “Um resto de Mouraria” cantado por Pedro Coutinho:

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Os professores vão fazer greve em 2023? Mas porquê? Pois se levam uma vida de bilionários e gozam à grande

  Aproxima-se a Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. A esse propósito, lembrámo-nos que serão pouquíssimos, os que, como os professores, gozam do privilégio de festejarem mais do que uma vez num mesmo ano civil, o Fim de Ano e o subsequente Ano Novo. Com efeito, a larguíssima maioria da população, comemora o Fim de Ano exclusivamente a 31 de dezembro e o Ano Novo unicamente a 1 de janeiro. Contudo, a classe docente, goza também de um fim de ano algures no final do mês de julho, e de um Ano Novo para aí nos princípios de setembro.   Para os nossos leitores cuja agilidade mental eventualmente esteja toldada pelos tantos comes e bebes ingeridos na época natalícia, explicitamos que o fim do ano letivo é em julho e o início em setembro. É disso que aqui falamos, esclarecemos nós, para o caso dessa subtil alusão ter escapado a alguém.   Para além da classe docente, são poucos os que têm esta oportunidade, ou seja, a de ter múltiplas passagens de ano num só e mesmo ano...

Que bela vida a de professor

  Quem sendo professor já não ouviu a frase “Os professores estão sempre de férias”. É uma expressão recorrente e todos a dizem, seja o marido, o filho, a vizinha, o merceeiro ou a modista. Um professor inexperiente e em início de carreira, dar-se-á ao trabalho de explicar pacientemente aos seus interlocutores a diferença conceptual entre “férias” e “interrupção letiva”. Explicará que nas interrupções letivas há todo um outro trabalho, para além de dar aulas, que tem de ser feito: exames para vigiar e corrigir, elaborar relatórios, planear o ano seguinte, reuniões, avaliações e por aí afora. Se o professor for mais experiente, já sabe que toda e qualquer argumentação sobre este tema é inútil, pois que inevitavelmente o seu interlocutor tirará a seguinte conclusão : “Interrupção letiva?! Chamem-lhe o quiserem, são férias”. Não nos vamos agora dedicar a essa infrutífera polémica, o que queremos afirmar é o seguinte: os professores não necessitam de mais tempo desocupado, necessitam s...

Se a escola não mostrar imagens reais aos alunos, quem lhas mostrará?

  Que imagem é esta? O que nos diz? Num mundo em que incessantemente nos deparamos com milhares de imagens desnecessárias e irrelevantes, sejam as selfies da vizinha do segundo direito, sejam as da promoção do Black Friday de um espetacular berbequim, sejam as do Ronaldo a tirar uma pastilha elástica dos calções, o que podem ainda imagens como esta dizer-nos de relevante? Segundo a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no pré-escolar a idade média dos docentes é de 54 anos, no 1.º ciclo de 49 anos, no 2.º ciclo de 52 anos e no 3.º ciclo e secundário situa-se nos 51 anos. Feitas as contas, é quase tudo gente da mesma criação, vinda ao mundo ali entre os finais da década de 60 e os princípios da de 70. Por assim ser, é tudo gente que viveu a juventude entre os anos 80 e os 90 e assistiu a uma revolução no mundo da música. Foi precisamente nessa época que surgiu a MTV, acrónimo de Music Television. Com o aparecimento da MTV, a música deixou de ser apenas ouvida e pa...

Avaliação de Desempenho Docente: serão os professores uns eternos adolescentes?

  Há já algum tempo que os professores são uma das classes profissionais que mais recorre aos serviços de psicólogos e psiquiatras. Parece que agora, os adolescentes lhes fazem companhia. Aparentemente, uns por umas razões, outros por outras completamente diferentes, tanto os professores como os adolescentes, são atualmente dos melhores e mais assíduos clientes de psicólogos e psiquiatras.   Se quiserem saber o que pensam os técnicos e especialistas sobre o que se passa com os adolescentes, abaixo deixamos-vos dois links, um do jornal Público e outro do Expresso. Ambos nos parecem ser um bom ponto de partida para aprofundar o conhecimento sobre esse tema.   Quem porventura quiser antes saber o que pensamos nós, que não somos técnicos nem especialistas, nem nada que vagamente se assemelhe, pode ignorar os links e continuar a ler-nos. Não irão certamente aprender nada que se aproveite, mas pronto, a escolha é vossa. https://www.publico.pt/2022/09/29/p3/noticia/est...

A propósito de “rankings”, lembram-se dos ABBA? Estavam sempre no Top One.

Os ABBA eram suecos e hoje vamos falar-vos da Suécia. Apetecia-nos tanto falar de “rankings” e de como e para quê a comunicação social os inventou há uma boa dúzia de anos. Apetecia-nos tanto comentar comentadores cujos títulos dos seus comentários são “Ranking das escolas reflete o fracasso total no ensino público”. Apetecia-nos tanto, mas mesmo tanto, dizer o quão tendenciosos são e a quem servem tais comentários e o tão equivocados que estão quem os faz. Apetecia-nos tanto, tanto, mas no entanto, não. Os “rankings” são um jogo a que não queremos jogar. É um jogo cujo resultado já está decidido à partida, muito antes sequer da primeira jogada. Os dados estão viciados e sabemos bem o quanto não vale a pena dizer nada sobre esse assunto, uma vez que desde há muito, que está tudo dito: “Les jeux sont faits”.   Na época em que a Inglaterra era repetidamente derrotada pela Alemanha, numa entrevista, pediram ao antigo jogador inglês Gary Lineker que desse uma definição de futebol...

Aos professores, exige-se o impossível: que tomem conta do elevador

Independentemente de todas as outras razões, estamos em crer que muito do mal-estar que presentemente assola a classe docente tem origem numa falácia. Uma falácia é como se designa um conjunto de argumentos e raciocínios que parecem válidos, mas que não o são.   De há uns anos para cá, instalou-se neste país uma falácia que tarda em desfazer-se. Esse nefasto equivoco nasceu quando alguém falaciosamente quis que se confundisse a escola pública com um elevador, mais concretamente, com um “elevador social”.   Aos professores da escola pública exige-se-lhes que sejam ascensoristas, quando não é essa a sua vocação, nem a sua missão. Eventualmente, os docentes podem até conseguir que alguns alunos levantem voo e se elevem até às altas esferas do conhecimento, mas fazê-los voar é uma coisa, fazê-los subir de elevador é outra.   É muito natural, que sinta um grande mal-estar, quem foi chamado a ensinar a voar e constate agora que se lhe pede outra coisa, ou seja, que faça...

Luzes, câmara, ação!

  Aqui vos deixamos algumas atividades desenvolvidas com alunos de 2° ano no sentido de promover uma educação cinematográfica. Queremos que aprendam a ver imagens e não tão-somente as consumam. https://padlet.com/asofiacvieira/q8unvcd74lsmbaag

Pode um saco de plástico ser belo?

  PVC (material plástico com utilizações muito diversificadas) é uma sigla bem gira, mas pouco usada em educação. A classe docente e o Ministério da Educação adoram siglas. Ele há os os QZP (Quadros de Zona Pedagógica), ele há os NEE (Necessidades Educativas Especiais), ele há o PAA (Plano Anual de Atividades), ele há as AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular), ele há o PASEO (Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória), ele há a ADD (Avaliação do Desempenho Docente), ele há os colegas que se despedem com Bjs e Abc, ele há tantas e tantas siglas que podíamos estar o dia inteiro nisto.   Por norma, a linguagem ministerial é burocrática e esteticamente pouco interessante, as siglas são apenas um exemplo entre muitos outros possíveis. Foi por isso com surpresa e espanto, que num deste dias nos deparámos com um documento da DGE (Direção Geral de Educação) relativo ao PASEO, no qual se diz que os alunos devem “aprender a apreciar o que é belo” .  Assim, sem ...

Dar a matéria é fácil, o difícil é não a dar

  “We choose to go to the moon in this decade and do the other things, not because they are easy, but because they are hard."   Completaram-se, no passado dia 12 de setembro, seis décadas desde que o Presidente John F. Kennedy proferiu estas históricas palavras perante uma multidão em Houston.  À época, para o homem comum, ir à Lua parecia uma coisa fantasiosa e destinada a fracassar. Com tantas coisas úteis e prementes que havia para se fazer na Terra, a que propósito se iria gastar tempo e recursos para se ir à Lua? Ainda para mais, sem sequer se ter qualquer certeza que efetivamente se conseguiria lá chegar. Todavia, em 1969, a Apolo 11 aterrou na superfície lunar e toda a humanidade aclamou entusiasticamente esse enorme feito. O que antes parecia uma excentricidade, ou seja, ir à Lua, é o que hoje nos permite comunicar quase instantaneamente com alguém que está do outro lado do mundo. Como seriam as comunicações neste nosso século XXI, se há décadas atrás ninguém tive...

És docente? Queres excelente? Não há quota? Não leves a mal, é o estilo minimal.

  Todos sabemos que nem toda a gente é um excelente docente, mas também todos sabemos, que há quem o seja e não tenha quota para  como tal  ser avaliado. Da chamada Avaliação de Desempenho Docente resultam frequentemente coisas abstrusas e isso acontece independentemente da boa vontade e seriedade de todos os envolvidos no processo.  O processo é a palavra exata para descrever todo esse procedimento. Quem quiser ter uma noção aproximada de toda a situação deverá dedicar-se a ler Franz Kafka, e mais concretamente, uma das suas melhores e mais célebres obras: " Der Prozeß" (O Processo) Para quem for preguiçoso e não quiser ler, aqui fica o resumo animado da Ted Ed (Lessons Worth Sharing):   Tanto quanto sabemos, num agrupamento de escolas há quota apenas para dois a cinco docentes terem a menção de excelente, isto dependendo da dimensão do dito agrupamento. Aparentemente, quem concebeu e desenhou todo este sistema de avaliação optou por seguir uma de...