As escolas primárias do centro de Paris já quase não existem, que pena! (Capítulo III: E se fosse em Portugal?)
E se as escolas primárias públicas estivessem a desaparecer do centro das cidades portuguesas, como está a acontecer na capital francesa? Será que como sucede por lá, existiriam por cá grandes manifestações, fortes protestos e imensos lamentos? Muito provavelmente não, pois os portugueses não têm, nem de perto nem de longe, tanto amor às suas escolas públicas como têm os franceses em geral, e os parisienses em particular.
Façamos uma simples experiência, vejamos na internet que imagens nos surgem ao pesquisarmos a seguinte frase “O amor dos portugueses à escola pública”. Como já terão verificado, não surge nada de concreto relacionado com o tema da pesquisa, e o mais que nos aparece são fichas de trabalho para os meninos, relativas à chamada semana dos afetos.
Antes de continuarmos, vamos fazer um aparte para falar da semana dos afetos. Para quem não sabe, essa semana é a forma como certas escolas decidiram assinalar o Dia dos Namorados. Como há crianças e jovens que não têm namorado, e para que não se sintam excluídos e tristes, há escolas que substituem a comemoração do Dia de São Valentim pela semana dos afetos.
Assinalar o Dia dos Namorados é já de si uma coisa muito discutível, pois parece-nos uma data cujo objetivo é mais mercantil do que outro qualquer, porém, transformar esse dia na semana dos afetos é ainda pior. É uma coisa toda ela cheia de boas e pias intenções, só que, completamente inútil.
Imaginemos um jovem que quer namorar, mas não arranja ninguém com quem o fazer. Expliquem-nos lá em que medida, é que dizerem-lhe que não tem namorado mas que tem uma semana para celebrar o afeto do pai e da mãe, da avó e do avô, do cão e do gato, dos amigos e amigas, dos professores e sabe-se lá de quem mais, lhe servirá de consolo?
Façamos uma analogia, imaginem que vos apetece mesmo manjar uma grande pratada de feijoada à transmontana, vão à vossa tasca favorita cheios de ganas e prontos para comer à fartazana. Sentam-se, afiam talheres e dentes, e nisto o dono do estabelecimento diz-vos que essa semana será dedicada à alimentação saudável.
Por consequência disso, não servem feijoada à transmontana, mas em alternativa propõe-vos salada de quinoa com legumes grelhados, wrap vegetariano com hummus, tosta de grão-de-bico com tomate cereja, omelete de tofu mexido ou arroz de lentilhas salpicado com salsa!
Fixem-se bem no desgosto e desilusão que sentiriam numa situação desse género, pois é esse o exato sentimento que tem um jovem que quer namorar e não arranja com quem, quando lhe dizem que não fique triste, pois que tem o afeto do pai e da mãe, da avó e do avô, do cão e do gato, dos amigos e amigas, dos professores e sabe-se lá de quem mais.
Cremos que a moral desta história é simples e facilmente compreensível, assim sendo, escusamos de a enunciar e damos por findo este aparte.
Terminado então o aparte relativo à semana dos afetos, voltemos à nossa experiência. Como vimos, fazendo uma pesquisa na internet de imagens com a frase “O amor dos portugueses à escola pública”, não nos aparece nada de jeito. Façamos agora a mesma pesquisa, mas com a frase “L'amour des parisiens à l'école publique”.
Como quem já fez a pesquisa terá verificado, há milhares de imagens com declarações de amor à escola pública. Na verdade, o último Dia dos Namorados foi assinalado em muitas escolas e sítios de Paris, de modo igual ou semelhante ao que vemos nas imagens abaixo.
O facto é que os portugueses, ao contrário dos parisienses, não têm grande amor à escola pública e nem sequer à educação. Digamos que a relação entre as lusitanas gentes e a educação, quando muito, é um casamento de conveniência.
Diz-se às crianças que é importante estudarem para terem um bom emprego e subirem na vida, tirando isso, por cá pouco mais se quer saber de educação.
Nós, quem aqui vos escreve, quando usamos a expressão amor à educação, referimo-nos ao desejo que todos tenham acesso às artes e letras, à expansão do conhecimento científico e matemático, ao alargar de horizontes, ao conhecimento de outras gentes e culturas, ao saber histórico, ao desenvolvimento do pensamento e à tomada de consciência que somos cidadãos de uma nação, de um continente e igualmente do mundo.
Nós não entendemos a educação como uma preparação para que crianças e jovens venham a ter uma carreira de futuro garantido e possam em adultos auferir de muitos bons rendimentos. No entanto, é desse modo limitado e conveniente, que genericamente se entende a educação em Portugal.
Em tempos recentes, temos constatado que os maiores grupos económicos nacionais estão muito interessados na educação. Com efeito, o grupo Sonae organizou há poucas semanas um fórum para discutir o estado da educação em Portugal, assim como o grupo Jerónimo Martins patrocina e publicita extensas iniciativas relativas a temas educativos. É uma espécie de derby Continente versus Pingo Doce.
Poder-se-ia pensar que esse intenso interesse é desinteressado, ou seja, que é por amor à educação, mas não cremos nisso. O objetivo primordial de qualquer grupo empresarial é o lucro, é para isso que existem. Por assim ser, é mais do que crível que aos grandes grupos económicos lhes interesse influenciar e condicionar o sector educativo, pois que com isso estão a acautelar um futuro próspero para os seus negócios.
Os pedidos de namoro e as declarações de amor que os grandes grupos empresariais andam ultimamente a fazer à educação, não é bem por a acharem bonita, divertida e inteligente, mas sim porque lhes seria muito conveniente com ela contrair casamento.
Aqui fica um artigo já de 2015, sobre como correu o casamento entre alguns sectores educativos do Brasil e as empresas, o seu título é “Grandes grupos económicos controlam escolas para fomentar a sua ideologia”:
Mas regressemos a Paris, onde entre a população e o seu sistema educativo, há muito que existe um amor correspondido. Por estranho que isso possa parecer aos portugueses, os parisienses têm mesmo amor à educação, e não pensam nela tão-somente por razões de conveniência.
Abaixo a mais célebre foto de Robert Doisneau: “Le tumulte de la rue de Rivoli, les passants pressés, l’ombre majestueuse de l’Hôtel de Ville parisien en fond et au milieu, un instant de amour et tendresse presque divin.”
Este é o terceiro texto que neste blog dedicamos às escolas primárias do centro de Paris, que já quase não existem, será o último acerca deste tema. Nos dois anteriores, falámos dessas escolas e de grandes fotógrafos que ao longo dos tempos as foram retratando, como por exemplo, Robert Doisneau ou Willy Ronis.
As suas imagens são belas, plenas de graça e poesia, e são também reveladoras da longa história de amor entre os parisienses e as suas escolas. Aqui ficam os links para os nossos dois textos anteriores, os quais são ilustrados por essa magníficas imagens:
Não foram apenas Doisneau e Ronis que fotografaram em Paris as crianças nas aulas, nos recreios, nas idas e vindas de casa para escola e vice-versa, e na brincadeira, houve mais quem o fizesse, como é o caso da fotógrafa suiça Sabine Weiss.
Nas fotos de todos esses fotógrafos podemos observar miúdos parisienses da escola primária que estudam, fazem asneiras, pensam e brincam, já nas fotos da escolas primárias portuguesas mais ou menos da mesmo época e também das seguintes, o que encontramos sempre é miudagem, sejam rapazes ou raparigas, muito aprumada e sossegada.
Fomos incapazes de encontrar uma imagem de uma escola primária portuguesa com um mínimo de graça e poesia, ou seja, algo que fosse de algum modo equivalente às fotos de Doisneau, de Ronis ou de Sabine Weiss. Também isso é uma prova mais do que evidente do desamor de Portugal pela educação, e pela pública em específico.
E pronto, por aqui terminamos com a esperança de que pais, professores e alunos de Paris, consigam vencer a sua luta, e as escolas primárias do centro da Cidade Luz continuem abertas e os seus históricos edifícios não sejam usados para lucrativos negócios turísticos e imobiliárias e não se acabe de vez a longa história de amor entre essa a cidade e a educação pública.
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