Continuamos a nossa viagem pelas sete maravilhas nacionais das quais poucos falam. Desta vez, vamos para a sexta, que fica bem no centro da cidade do Porto, a saber, o cinema Batalha.
Antes de continuarmos, e mais uma vez, recordamos as nossas anteriores viagens: a Cinemateca em Lisboa, o CAV em Coimbra, o MACE em Elvas, a Casa de Chá da Boa Nova em Leça da Palmeira e o Museu Amadeo Souza-Cardoso em Amarante.
Aqui ficam então, os nossos precedentes textos:
Mas o que tem o cinema Batalha de especial, para ser diferente de muitos outros que há em Portugal? Para respondermos a esta questão, o melhor é começarmos pelo princípio, e esse instante inicial aconteceu em 1947, data em que foi inaugurado o edifício que ainda hoje existe, e que foi recentemente sujeito a grandes obras de renovação, tendo sido por isso reinaugurado em 2022.
Antes tinha havido uma outra sala de cinema também chamada Batalha no mesmo exato local onde está a atual, mas o que se inaugurou no ano de quarenta e sete e se reinaugurou em dois mil e vinte e dois é muito diverso do seu antecessor.
Só para terem uma ideia da diferença, aqui logo abaixo, temos uma imagem com o primeiro cinema Batalha, um pouco mais adiante há uma outra imagem com o novo Batalha.
O novo Batalha era diverso logo a começar pela ousadia da sua arquitetura, pois num país muito atrasado onde as formas de construir tradicionais eram praticamente as únicas usadas, de repente, bem no centro do Porto, há algo de inovador, vigoroso e arejado.
Para o exterior, o novo Batalha apresenta uma fachada com linhas puras e curvas, arrojadas janelas de grandes dimensões e todo um estilo inspirado na modernidade e no que de melhor e mais atual se fazia em termos internacionais.
O contraste com a arquitetura acanhada, rotineira e corriqueira que nesses tempos por cá se fazia é tal, que à época o cinema Batalha deve ter parecido a muitos uma espécie de maravilha vinda do espaço celeste que subitamente aterrou no meio do Porto.
Mas as novidades que o Batalha trazia não se ficavam somente pelo exterior do edifício, lá por dentro havia também coisas diferentes. Com efeito, a sala quis desde o início marcar o seu carácter interdisciplinar, razão pela qual, no seu desenho e decoração estão integradas diversas artes, mais concretamente, a arquitectura, a escultura e a pintura. Sendo que, todas elas se conjugam com uma mais, com a arte cinematográfica.
Um caso que se pode considerar maravilhoso, relaciona-se com os frescos que o artista Júlio Pomar executou para os foyers do cinema. À data da inauguração da sala, em quarenta e sete, as autoridades da época olharam para os frescos do artista e disseram "isto não pode ser". Consequentemente, agiram em conformidade e ordenaram que fossem ocultados, tendo estes assim permanecido durante largas décadas.
Pensava-se que estariam perdidos para sempre, contudo, em 2022, aquando das obras de renovação do cinema Batalha, constatou-se com enorme espanto que os frescos tinham resistido ao tempo e à tinta da censura da PIDE.
Como uma maravilha e quase por magia, os frescos ressurgiram então em plena liberdade e à vista de todos, após terem sido eliminadas as sete camadas sobrepostas de tinta que os cobriam. Nessa ocasião, o jornal Público dizia assim num título: “No Cinema Batalha, as pessoas todas choraram quando apareceu o fresco do Júlio Pomar”.
Aqui fica um pequeno vídeo com imagens da restauração dos frescos de Júlio Pomar, nos quais estão retratadas as festas de São João:
Como acima dissemos o cinema Batalha foi reinaugurado em 2022 e isto após ter fechado em agosto do ano 2000 por falta de rentabilidade. Se pensarmos no que sucedeu às antigas grandes salas de cinema de Lisboa, percebemos que quando foi encerrado, as futuras perspectivas para o Batalha não eram lá grande coisa.
Vejamos alguns exemplos do que sucedeu em Lisboa, o Éden foi para aparthotel, o Império é um templo do Reino de Deus, o Monumental um centro comercial, o Tivoli serve de teatro, o Condes de restaurante e o São Jorge safou-se, mas ainda assim com a sua grande sala retalhada em três e com uma programação intermitente.
Dados estes exemplos da capital, nada fazia prever que no Porto fosse diferente, mas foi, e isso é outra maravilha a que podemos associar o cinema Batalha. Com efeito, em julho de 2017, a Câmara Municipal do Porto anunciou que iria patrocinar as obras de reabilitação, que foram iniciadas no início de 2018.
Uma vez terminadas as obras, o reabilitado cinema oferece duas salas de projeção para exibição em formatos digitais e analógicos: uma sala grande com 341 lugares e uma sala menor com 126 lugares. Mas para além disso, e fazendo jus ao seu carácter interdisciplinar inclui ainda uma galeria dedicada às artes visuais, uma biblioteca especializada em cinema, uma casa de chá e uma esplanada.
Para além de tudo isso, tem também uma mediateca dedicada ao património fílmico da cidade do Porto. Foi precisamente a propósito desta sua última valência, que ainda há dias o Batalha voltou a fazer história e a aparecer nas páginas dos jornais, pois recebeu 66 novos documentários produzidos entre 1952 e 1983, que refletem momentos da vida da Invicta, devolveu assim ao Porto as imagens do seu passado.
O reaparecimento dessas imagens de décadas passadas, é uma maravilha tão grande como tinha sido o ressurgimento das pinturas de Júlio Pomar. Em ambos os casos, como que há uma espécie de magia, é como se por um qualquer milagre pudéssemos vislumbrar o passado, resgatando-o desse modo do rio do tempo cuja corrente tudo arrasta consigo.
A colecção inclui filmes amadores, de autores não identificados e também de gente conhecida, como por exemplo o título “A Propósito da Inauguração de Uma Estátua” realizado por Manoel de Oliveira.
Curiosamente, na programação da sessão inaugural do cinema passou igualmente um filme de Manoel de Oliveira, o seu primeiro, “Douro, Fauna Fluvial” de 1931. Trata-se de um documentário de cerca de 20 minutos que poeticamente retrata os trabalhos e afazeres das gentes da Ribeira. O filme é também ele uma maravilha, pois dá-nos a ver a essência do povo portuense, desse que dantes vivia à beira Douro.
Quem o quiser ver em casa, que não é o mesmo que o ver numa sala de cinema, mas que ainda assim vale a pena, pode fazê-lo em:
Em síntese, agora no Porto as maravilhas já não se resumem a Serralves, às tripas, às caves e aos Clérigos, há também o Batalha onde se pode ver os grandes filmes de sempre numa sala imensa como antigamente, onde se pode também contemplar os frescos de Júlio Pomar que durante décadas foram invisíveis e, finalmente, onde se pode igualmente vislumbrar a memória e o passado da cidade.
Ver filmes como antigamente, contemplar o que era invisível e vislumbrar o passado, são sem sombra de dúvida tudo coisas do reino do maravilhoso, razão pela qual, escolhemos o Batalha como a nossa sexta maravilha. No próximo texto teremos uma outra, a sétima e última.
Até lá, aqui fica o site do novo cinema Batalha:
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