Neste décimo capítulo de “Como andar tristonho e mal-disposto em agosto” vamos fazer um tour, ou melhor dizendo, una vuelta, pela música cantada em espanhol, o que incluí a do nosso país vizinho propriamente dito, mas também a da América Latina.
Já em ocasiões anteriores nesta nossa série de verão, nos dedicámos à música, em grande medida, em vez de um blogue, até podíamos ser um programa de rádio, daqueles com sons que não se ouvem em mais lado nenhum, e que só vão para o ar durante as horas mais mortas da madrugada.
Na verdade a ideia agrada-nos, nessas extensas noites radiofónicas, certamente que encontraríamos a nossa audiência ideal, ouvintes insones, solitários, de alma melancólica e coração magoado, que teriam na nossa noturna emissão um consolo para os seus sombrios dias, e para aquelas tortuosas madrugadas em que não conseguem deixar de pensar nas suas desconsoladas vidas.
No fundo, seríamos o conforto possível para as suas funestas e escuras existências, a única alegria que lhes restaria até ao túmulo. Enfim, parece-nos uma ideia divertida e fazível, esta de sermos um programa de rádio, a ver vamos o que o futuro nos reserva.
Mas enquanto isso não sucede, aqui fica a revisão da matéria dada. Já falámos de fados…
… e também do som da Motown…
…e ainda da música de verão italiana:
O nosso programa de hoje consiste em quatro temas musicais hispânicos, em que cada um trata de um assunto, tanto ou mais tristonho do que o outro. Normalmente a música espanhola e latino-americana é associada a danças vibrantes e cheias de movimento, como por exemplo as sevilhanas, o flamengo, a rumba, a salsa, o merengue, o mango ou cha-cha-cha, só que nós escolhemos associar a música hispânica a tristes e lacrimosos eventos.
Quando se pensa em sons hispânicos, pensa-se também em castanholas, na cantante Pepa Flores (cujo nome artístico era Marisol), nas discotecas de Ibiza a bombar no pico do verão e em férias nas Caraíbas, tudo assuntos alegres e estivais dos quais não pretendemos falar.
Nós optámos por um outro caminho, ou seja, escolhemos antes temas musicais hispânicos onde se cantam tristezas e lamentos, e mesmo quando não, ainda assim, o tom é muito a atirar para o desalegre e melodramático.
Começamos pelo mexicano Armando Manzanero (1935-2020). Provavelmente, o seu grande êxito foi a canção “Somos Novios”. Em português, “somos novios” há de querer dizer qualquer coisa como somos namorados ou isso, que não necessariamente noivos.
Armando Manzanero obteve um grande sucesso com a cantiga, no entanto, se a ouvirmos com atenção, vamos perceber que ele não aparenta estar particularmente satisfeito com o facto de ser “novio” de uma rapariga.
Com efeito, todo o tom do tema é claramente melodramático, se não soubéssemos de que estava Manzanero a falar, o mais certo era pensarmos que tinha tido um enorme desgosto. Mas não, arranjou uma moça, aparentemente a vida até lhe correu bem, no entanto, o seu tom é claramente de quem não está contente.
Veja-se que ele até diz que com serem “novios” já ganharam “lo más grande de este mundo”, todavia, a sua cantoria assemelha-se mais a um pranto, do que propriamente a uma alegria.
O que será que se passa com o rapaz? Será que não era esta a que ele queria? Estará num mau dia? Terá ela um outro? Começou a fazer contas à vida e já começou a ficar arrependido com o namoro? Mistério.
Porém, apesar do mistério, a canção deixa-nos algumas pistas que talvez não sejam de desdenhar. A determinado momento, Manzanero diz-nos que ele e a namorada mantém “un cariño limpio y puro”. Ora bem, talvez toda essa pureza esteja a ser um problema para o rapaz, é uma hipótese a não desprezar para explicar o seu tom lamentoso.
Num outro momento da canção, Manzanero diz-nos também que “Como novios, nos deseamos, Y hasta, a veces, sin motivo, Y sin razón, nos enojamos”. A bem dizer, se ainda agora começaram o namoro e já andam sem motivo e sem razão a “enojar-se” um ao outro, o melhor é pensarem duas vezes no assunto.
Em qualquer dos casos, aqui fica a canção para quem se quiser deitar a adivinhar o que tanto entristece e atormenta Manzanero, às tantas é por ser agosto.
Danny Daniel nasceu em 1942, em Gijón, no sul de Espanha, tendo sido batizado com o nome de Daniel de la Campa. Certamente, que o “de la campa” lhe pareceu um tanto ou quanto fúnebre, razão pela qual optou pelo nome artístico Danny Daniel que é muito mais bonito.
Na década de 70 o seu sucesso foi enorme, não só em Espanha e por toda a América Latina, mas também em França onde vendeu 3 milhões de discos, a que se juntam outros 8 milhões pela Europa inteira.
Nunca tinham ouvido falar de Danny Daniel? Pois então, é por estas e por outras que devia existir um programa de rádio que se dedicasse a divulgar música alternativa, tal e qual como nós o fazemos neste blog. Abaixo uma foto do homem.
Relativamente a Armando Manzanero não sabíamos exatamente o que lhe teria sucedido para andar tão entristecido, mas com Danny sabemos bem o que lhe aconteceu. A desgraça adveio-lhe “Por el Amor de una Mujer”, título de um dos seus maiores sucessos.
Segundo o próprio, “por el amor de una mujer”, deu tudo quanto era o mais “hermoso” da sua vida, contudo, nem assim ela o quis. Coitado. O certo é que Danny reflectiu bastante sobre o assunto e apresenta-nos na sua canção um relatório auto-crítico de grande qualidade.
A conclusão a que chegou, é que se pôs a brincar com o fogo sem saber que era ele que se queimava. Acrescenta ainda, que o tempo que perdeu, há de lhe servir para alguma coisa, assim que se cure da sua “ferida” (mas, ese tiempo que perdí ha de servirme alguna vez, cuando se cure bien mi herida).
Talvez a letra da canção tenha como intenção referir-se a uma “ferida” metafórica, digamos do tipo emocional, no entanto, é algo de que nós não temos plena certeza. Quando o Danny nos diz que brincou com o fogo sem saber que era ele que se queimava, nós interpretamos esse fogo como sendo também ele metafórico, mas desconfiamos que na verdade, o fogo que Danny fala pode mesmo ser um verdadeiro, ou seja, daqueles em que se tem de chamar os bombeiros.
Essa desconfiança vem de mais à frente na canção, Danny nos dizer que “Rompí en pedazos un cristal: dejé mis venas desangrar, pues, no sabía lo que hacía”. Em resumo, Danny partiu um vidro deixando-o em pedaços e ainda por cima cortou-se. Tudo nos indica que se tratou de um acidente, de um descuido, que não foi com intenção que o Danny partiu o vidro. É o que se deduz do que ele próprio diz: “no sabía lo que hacía”.
Aquilo de que nós desconfiamos, é que para além de ter partido um vidro, Danny é muito bem capaz de ter também pegado acidentalmente fogo a qualquer coisa. Na verdade o rapaz parece ser muito distraído e andar sempre meio a dormir em pé, mais uma vez é ele que o diz “Todo me parece como un sueño…”
Num verso da canção Danny diz-nos que “Por el amor de una mujer llegué a llorar y enloquecer mientras que ella se reía”. E como é que ela não se havia de rir, ó Danny? Pois se tu andavas sempre com a cabeça no ar, embatias nas portas, tropeçavas, deixavas cair tudo ao chão, agora a rapariga começou a chatear-se foi quando também começaste a dar cabo de vidros e, pior do que isso, a pegar fogo às coisas. Fez ela muito bem em deixar-te, para ver se abrias a pestana.
Aqui fica a triste canção de Danny Daniel, que desconfiamos que era um tanto ou quanto trapalhão, “Por el Amor de una Mujer”:
Voltemos ao México, desta vez com uma banda, Los Tres Ases, um grupo que cantava boleros de sucesso nos anos 50. A canção que escolhemos foi “La Puerta”.
Aqui não há nada a temer, Los Tres Ases não eram rapazes para dar cabo das portas como o Danny. Todavia, e ainda assim, isso não impediu que a rapariga por quem ansiavam tivesse batido com a porta e ido à sua vida.
Não sabemos o que terá sido a causa dessa sua decisão, a canção não nos diz. Sabemos tão somente o que Los Tres Ases nos dizem: “La puerta se cerró detrás de ti, y nunca más volviste a aparecer”.
Dito isto, é de pressupor que os rapazes apesar do nome, não haveriam de ser lá grandes ases. Então a moça foi-se embora assim de repente, nem água vai nem água vem, sem sequer dar uma satisfação e eles ficam-se? Está mal.
Percebemos que lá pelo meio da relação, haveria de haver um problema qualquer, pois ases dizem-nos da rapariga o seguinte: “Pero es que no supiste soportar,
Las penas que nos dio, la misma adversidad…”
Que adversidade seria essa que deixou a moça mal-disposta ao ponto de ir embora sem nada dizer, e a eles tristonhos com a sua partida, é coisa que não sabemos dizer. Mais uma vez, estamos perante um mistério.
Para quem tal e qual como sucedeu com a canção do Armando Manzanero, se quiser pôr a adivinhar as razões de toda esta desdita, aqui fica a canção:
Deixemos o México e os anos 50, e viajemos para a Colômbia dos dias de hoje. Se porventura alguém já estava a pensar em acusar-nos de só passarmos músicas antigas, que se desengane, nós também estamos em cima da atualidade.
A canção de que agora vamos falar intitula-se “La Bachata” e é de Manuel Turizo, um rapaz colombiano com apenas 24 anos de idade. O sucesso agora já não se mede pelo número de discos vendidos, mas pelas visualizações na Internet, que no caso de Turizo atingem os biliões.
A bachata é um tipo de música que surgiu nos anos 20 do século XX nos bares e bordéis de Santo Domingo. Era conhecia como “música de amargue”, expressão que se referia ao estado de melancolía provocado por males de amor.
As rádios da América Latina nunca a aprovaram, consideravam-na uma música vulgar e durante décadas não a difundiam. É essa a razão pela qual toda a gente sabe o que é a salsa e o merengue, o cha-cha-cha, o mambo e a rumba, mas poucos conhecem a bachata.
Manuel Turizo não quis saber disso e gravou um tema que intitulou “La Bachata”. O sucesso foi imenso e as rádios que ainda não estavam rendidas, tiveram de ser render.
A canção de Turizo começa logo com o rapaz a contar-nos que bloqueou a ex-namorada no Instagram, portanto maior modernidade do que esta é impossível, pois é uma cantiga de desamor que nos fala de telemóveis e redes sociais. Diz-nos então assim o rapaz: “Te bloqueé de Insta, pero por otra cuenta veo tus historias. Tu número lo borré, no sé pa' qué si me lo sé de memoria”.
A razão para o bloqueio parece ser justa, pois segundo o que Turizo diz, “Éramos tres en una relación de dos”, o que pelos vistos é uma coisa que ele levou a mal e não perdoa à rapariga. Diz-lhe até que se quer perdão, que o vá pedir a Deus. Olhem que esta é forte, “No te perdono, pídele perdón a Dios”.
E aqui fica a canção, nesta não há mistério nenhum sobre o que aconteceu e por qual razão Turizo anda tristonho e mal-disposto:
E pronto, em breve neste blog, num outro dia, seguir-se-á o décimo primeiro capítulo desta série de verão, “Como andar tristonho e mal-disposto em agosto…”
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