Continuamos esta nossa série de textos dedicados aos Estados Unidos, os bons USA, que prolongaremos até ao dia da próxima eleição presidencial nesse país.
Falaremos
de tudo menos de política. Andaremos On the Road pelas cidades
norte-americanas, viajaremos com os seus artistas, leremos os seus poetas,
escutaremos as suas melodias e veremos os seus filmes. Aqui ficam os links dos
três primeiros capítulos, o primeiro dedicado a Washington D.C., o segundo aos
fotógrafos a cores e o terceiro aos grandes solitários.
https://ifperfilxxi.blogspot.com/2024/10/on-road-1-washington-dc.html
https://ifperfilxxi.blogspot.com/2024/10/on-road-2-os-fotografos-cores.html
https://ifperfilxxi.blogspot.com/2024/10/on-road-3-os-grandes-solitarios.html
Dito isto, vamos hoje On the Road para a nossa quarta viagem.
A América tem tudo,
até grandes dramaturgos. É mais ou menos consensual, que as três maiores peças
teatrais norte-americanas são “A Morte de um Caixeiro Viajante” de Arthur
Miller, “Longa Jornada para a Noite” de Eugene O’Neill e “Um Eléctrico Chamado
Desejo” de Tennessee Williams.
Todas elas foram encenadas milhares de vezes pelo mundo inteiro, e todas elas foram adaptadas ao cinema. Comecemos pela peça de Arthur Miller, “A Morte de um Caixeiro Viajante”.
Abaixo uma foto do autor, ao tempo em que esteve casado com
Marylin Monroe.
Estados
Unidos, década de 40, como pano de fundo temos o American Dream. O personagem
principal persegue o ideal do Self Made Man e o mito do sucesso. Willy Loman,
um caixeiro viajante, quer dar tudo aos seus filhos jovens adultos, e quer
também que eles sejam ambiciosos e bem-sucedidos na vida, ou seja, ricos.
Willy
Loman vive obcecado pelo desejo de ser admirado e amado pela sua família como
um próspero homem de negócios. Todavia, após trinta e quatro anos a trabalhar
como caixeiro viajante, pressente que os seus sonhos, ambições e ilusões se
desvaneceram. No entanto, continua a falar para os seus filhos, como se para
ele tudo ainda fosse possível, ou seja, como se os seus mais vastos desejos de
sucesso, estivessem já ali ao virar da esquina.
A
verdade é que Willy Loman parece ter perdido a noção de realidade, e por muito
que tente convencer os seus filhos que o seu triunfo está próximo, estes não
acreditam minimamente nele e veem-no como um velho completamente decadente e um
autêntico falhado. Linda, a sua compreensiva e dedicada esposa, também já pouco
liga às suas conversas e ouve-o com alguma displicência, a única coisa que
interessa à mulher é ter paz e sossego.
As
conversas em família são muito animadas, por vezes todos fingem acreditar que a
prosperidade tarde ou cedo lhes virá bater à porta, e ideias mirabolantes para
grandes negócios não lhes faltam. Contudo, a realidade tal e qual como é, acaba
sempre por se impor, e a partir desse momento o entusiasmo desfaz-se e começam
então as discussões e as acusações mútuas. No fim, o que resta são apenas
mágoas, desespero e desilusão.
Vendo-se
completamente desacreditado perante a sua família, Willy Loman acaba por
colocar um termo à vida. Nem Linda, sua esposa, nem os seus filhos,
derramam uma única lágrima no seu enterro.
A segunda peça de que vos queremos falar é “Longa Jornada para a Noite” de Eugene O’Neill.
É provável que esta peça seja a maior tragédia alguma vez escrita na
América. O maior crítico literário que alguma existiu, Harold Bloom, afirmou um
dia que “nenhum dramaturgo americano
igualou O’Neill na descrição das tormentosas realidades que afligem a vida
familiar no mundo ocidental”.
Como em “A
Morte de um Caixeiro Viajante”, também neste caso temos uma família, e, mais
uma vez, temos igualmente as relações completamente disfuncionais existentes
entre os vários membros que a compõem.
A narrativa desenrola-se num
único dia, desde as oito e meia da manhã até à meia-noite, em agosto de 1912,
na casa de férias dos Tyrone, junto ao mar. A peça, aparentemente simples, tem
quatro personagens principais. Toda a ação se passa na sala de estar.
Mary, a mãe, e James, o pai,
conversam após terem tomado o pequeno-almoço. Sabemos que o pai é um ator envelhecido
que lá vai ganhando o seu sustento com uma peça baseada numa história de
Alexandre Dumas. Sabemos também que Mary voltou recentemente de um sanatório
por causa do seu vício em morfina, substância que usa para aliviar as suas constantes
dores. James encoraja-a a continuar o tratamento.
O filho mais velho, Jamie, tem
33 anos e é bem-parecido, “Herdou o físico
do pai: largo de ombros e com um forte tórax, é mais alto que o pai e pesa
menos, porém parece mais baixo e atarracado porque lhe faltam o porte e o garbo
de James (o pai). Não tem a vitalidade do pai. Notam-se nele sintomas
prematuros de envelhecimento”.
O filho mais novo tem apenas 23
anos. É mais magro que o irmão mas “Leva-lhe
vantagem em estatura. É fraco e nervoso. Enquanto Jamie saiu ao pai e pouco se
assemelha à mãe, Edmund lembra a ambos, mas aproxima-se mais do tipo de Mary.
Os grandes olhos escuros são um traço dominante do seu alongado rosto. A boca
denota a mesma hipersensibilidade de Mary.”
Acorrentados
uns aos outros por sentimentos de rancor, culpa e recriminação, todos os membros
da família são seres com evidentes vulnerabilidades,
mas são simultaneamente implacáveis e sarcásticos entre si. O
percurso destes personagens ao longo do texto é tão denso, que o ambiente se
torna progressivamente sufocante.
Ao vê-los na sua
sala de estar, completamente encerrados no seu lar familiar e em si próprios, não
sabemos se os havemos de odiar ou se sentir deles uma imensa pena e piedade.
A última
grande peça norte-americana de que vos vamos falar é “Um
Eléctrico Chamado Desejo” de Tennessee Williams. Blanche DuBois, uma frágil e
solitária beldade sulista, decide visitar a sua irmã, Stella, que vive num
bairro pobre de Nova Orleães.
Num momento
em que já se encontra numa “certa idade” e a sua vida começa a declinar,
Blanche entra em confronto com o marido de Stella, Stanley Kowalski, cuja
personalidade um tanto rude, ao mesmo tempo a ofende e a atrai.
Blanche
gosta de ostentar a sua educada sensibilidade, todavia, o ambiente operário, os
bares
nocturnos e toda a aspereza que a circundam, contrastam vivamente com a sua
afectada delicadeza. A tensão entre todos vai num
crescendo até atingir um ponto de ruptura inevitável.
Se
a peça foi um sucesso, o filme feito a partir dela não o foi menos. Na película, Stanley
Kowalski foi interpretado pelo grande Marlon Brando, num dos papéis que o
haviam de tornar um imortal. Já Blanche DuBois foi interpretada pela
sofisticada, e nessa altura já madura, Vivian Leigh.
Vejamos uma
imagem de Vivian Leigh, nos braços de Clark Gable, no auge do seu estrelato,
aquando interpretou Scarlet O`Hara no filme “E tudo o Vento Levou”.
Vejamos
agora, a mesma Vivian Leigh, uns bons anos depois, quando interpretou a algo
decadente personagem Blanche DuBois, em “Um elétrico chamado Desejo”, ou seja,
e em inglês “A Streetcar Named Desire”.
Para
quem eventualmente não saiba, o elétrico que fazia a carreira da estação de
autocarros do centro de Nova Orleães para o bairro operário, chamava-se “Desire”
porque era esse o nome dessa zona.
Blanche
DuBois chegou à cidade, apanhou o transporte e foi para casa da sua irmã que aí
morava. A sua mana não tinha nem de perto nem de longe, o charme, a inteligência
e o requinte de Blanche, razão pela qual, casou com Stanley Kowalski,
que era assim um bocadinho para o bruto, mas o que importa é que viviam felizes
e contentes um com o outro.
Ora bem, a
irmã chegou, ou seja, a Blanche, e tudo isto se alterou. Uma das razões para
tal, foi que Blanche de algum modo gostava de requinte, mas também não
desdenhava se fosse à bruta, e era por isso que, em determinado momento, tenta
seduzir Kowalski. Como já se adivinha, o caldo entornou-se e às tantas já não
se sabia quem era quem e andava tudo revirado.
Posto perante tal situação, Kowalski desespera, e é nessa ocasião que Marlon Brando tem um dos seus mais sublimes momentos de interpretação.
À beira de sua casa,
do lado de fora, Kowalski grita desesperadamente por Stella, a sua mulher. Esta
acaba assim por perceber que afinal não é com Blanche, a sua irmã, com quem
quer viver, mas sim com aquela energia vital, quase animal, que emana do corpo
de Brando, ou seja, de Kowalski.
O que esta cena em específico, e toda a peça nos ensina é que a América não é só feita de requinte, sofisticação e delicadeza como Blanche DuBois.
Ao contrário da Europa, o velho continente, a América tem em si algo de selvagem, e é essa a sua vitalidade.
Blanche DuBois acabou abandonada e escorraçada, caída no chão e
é um desconhecido que a auxilia, tendo nesse momento proferindo uma frase que
ficou para a história e que retrata o seu destino: “I`ve always depended on the
kindness of strangers.”
E pronto, com esta viagem On the Road pelas mais clássicas das peças teatrais norte-americanas, terminamos esta quarta etapa. Em breve virá a quinta.
Mesmo
antes de irmos embora, por agora, todas estas obras teatrais estão
integralmente disponíveis na internet para quem gosta de assistir a teatro a
partir de um ecrã. Aqui ficam para quem quiser perceber alguma coisa do que são
os Estados Unidos da América, os bons USA:
The Death of a Salesman
Long Day´s Journey Into Night
A Streetcar named Desire
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