É uso dizer-se, que para lá do Marão, mandam os que lá estão. E os que estão para lá dessa dita serra, como é evidente, são as gentes das terras de Trás-os-Montes. Nessa região há vilas como Mogadouro, Sendim ou Alfândega da Fé, e também umas quantas cidades, como por exemplo, Bragança, Mirandela ou Chaves.
É precisamente nesta última, Chaves, que vamos encontrar a nossa sétima e derradeira maravilha de Portugal. Mas ainda antes de lá irmos, vamos só recordar as seis maravilhas anteriores: a Cinemateca em Lisboa, o CAV em Coimbra, o MACE em Elvas, a Casa de Chá da Boa Nova em Leça da Palmeira, o Museu Amadeo de Souza-Cardoso em Amarante e o cinema Batalha no Porto.
Abaixo os links para os textos antecedentes, ou seja, os que escrevemos acerca de cada uma dessas maravilhas nacionais:
Foi em Chaves, que em 1920 nasceu o pintor, arquiteto e pensador português, Nadir Afonso. Estudou arquitetura na Faculdade de Belas-Artes do Porto daí partiu para Paris, onde se inscreve na École des Beaux-Arts para estudar pintura.
Depois disso, andou anos por Paris, tendo trabalhado no atelier do já então celebríssimo arquiteto Le Corbusier, e convivido com o não menos famoso artista Fernand Léger, que o deixava usar o seu próprio estúdio para pintar. Em 1951 foi para o Brasil, para o Rio, onde colaborou com o ilustre arquiteto Oscar Niemeyer nos mais diversos e variados projetos.
Não muito mais tarde, em 1954, regressou à Europa e andou o resto da vida por aqui e por ali, mas sempre entre Portugal e Paris. Morreu em 2013, em Cascais, onde tinha residência, com uma idade que ia já para além dos noventa.
Nesse entretanto, entre idas e vindas, escreveu igualmente um monte de livros em que explana o seu pensamento, como por exemplo, “O Sentido da Arte”, “Nadir face a face com Einstein”, “O Tempo não existe” e “As Artes: Erradas Crenças e Falsas Críticas”.
Como já se percebeu, Nadir Afonso privou e aprendeu com os melhores do seu tempo e também viajou muito. Conheceu as grandes cidades e tudo o que de notável e extraordinário nelas há, pois não só as visitou, como igualmente as habitou. Todavia, nos anos 80, regressou definitivamente à tranquila pátria onde veio à luz, tendo-se instalado de vez no nosso Portugal.
A propósito disso, numa entrevista ao jornal Público, já em 2009, disse assim:
“Se tiver um metro quadrado de espaço para trabalhar sou tão feliz como numa grande cidade. É claro que eu gostei do Brasil, mas para estar a trabalhar não me adaptava. De resto eu tinha uma vontade de pintar... e como arquitecto isso não era possível. Para mim, era bom estar em Paris, mas a pintar. À medida que fui trabalhando cheguei à conclusão que já não era Paris, já não era Nova Iorque, podia muito bem ser Lisboa. Em Chaves podia fazer a minha obra. Quando entendi as leis da obra de arte percebi que já não precisava de mais, comecei a sentir que essas leis são universais e que eu podia estar muito bem em qualquer lugar. Se tiver um metro quadrado de espaço para trabalhar sou tão feliz como numa grande cidade. Comecei a sentir que a minha obra era cosmopolita, em qualquer parte se podia desenvolver.”
Lendo as palavras de Nadir Afonso, parece-nos perfeitamente adequado, que o museu que lhe é dedicado, não tenha sido erguido na capital, nem em qualquer outro grande centro, mas sim para lá do Marão, em Trás-os-Montes, e mais concretamente, na cidade de Chaves.
Para desenhar o Museu Nadir Afonso, não foi escolhido um arquiteto qualquer, mas sim o maior de Portugal, a saber, Siza Vieira. Para além de ser o melhor, Siza tem claras afinidades com Nadir, pois ambos gostam de formas geométricas, de superfícies brancas e da expressividade das linhas puras.
Indo pelo exterior do museu, andando em seu redor, é possível conversar-se em silêncio com as retas linhas da arquitetura de Siza. Entre as árvores e os verdes campos, vislumbra-se aí uma casa em ruínas, ali intencionalmente deixada pelo arquiteto. Parece fazer todo o sentido, pois quer Nadir, quer Siza, são homens que sabem, que em boa verdade, o tempo não existe, apenas existem as marcas e os vestígios que ele vai deixando.
Citemos uma vez mais Nadir Afonso: “O homem volta-se para a geometria como as plantas se voltam para o sol: é a mesma necessidade de clareza e todas as culturas foram iluminadas pela geometria, cujas formas despertam no espírito um sentimento de exatidão e de evidência absoluta.”
O Museu Nadir Afonso não se situa no meio da cidade, mas sim numa antiga propriedade rural, já nos limites da malha urbana, praticamente no campo. E está muito bem desse modo, pois que assim a pura geometria do edifício de Siza brilha mais, num sítio em que faz um exato e luminoso contraste com as formas orgânicas das árvores e com a rudeza do solo e das pedras.
Não se trata no entanto, de um contraste em que haja um confronto entre as partes, mas sim de um contraste todo feito de harmonia e complementaridade. O vivo verde dos campos contrasta, mas não se opõe, às brancas e retas linhas de Siza, antes conversa com elas e vice-versa.
Por um lado, a rugueza dos troncos das árvores, o emaranhado dos seus ramos, assim como os toscos e rudes muros erguidos do solo com pedras locais, contrastam com o edifício, mas fazem simultaneamente ressaltar a sua pureza geométrica e refinada elegância. Por outro lado, a sofisticada e moderna arquitetura de Siza, contrasta com tudo o que a circunda, mas ao mesmo tempo parece conferir a esse todo antigo uma espécie de autenticidade, de identidade e de nobreza.
É esse ir e vir entre a arquitetura e a natureza, esse diálogo entre a tradição e a inovação, e essa combinação entre o rude e o elegante, o que faz com que haja um harmonioso contraste, no qual as partes contrastantes não se opõem, mas antes se complementam.
A pintura de Nadir Afonso, tal como a arquitetura de Siza, é também ela geométrica, pura e moderna, mas daí não se deduz que seja artificial e afastada do que é natural. Foi ele mesmo que o disse: “a harmonia da obra de arte é redigida pelas mesmas leis da Natureza”. Disse ainda mais: “através da geometria alcança-se o íntimo da natureza”.
Não é fácil olharmos para a paisagem acidentada, dura, rochosa e brusca de Trás-os-Montes, e olharmos em seguida para a arte de Nadir Afonso, que é sofisticada, equilibrada, delicada e clara, e vermos entre ambas afinidades.
O que aparentemente vemos é um contraste total entre uma coisa e outra, mas se olharmos com mais atenção e tentarmos ver para lá das aparências, ou seja, para lá do que é visível, talvez possamos começar a compreender as seguintes palavras de Nadir: “as obras de arte são um reflexo da natureza”.
Não por acaso, do interior do Museu Nadir Afonso, há momentos em que quando estamos diante das suas obras, avistam-se lá fora pelas extensas janelas árvores, campos, muros de pedra e mais longe montes.
No já distante ano de 1994, havia na RTP 2 um programa semanal que se chamava “Artes e Letras”. Teve inúmeros episódios, centenas mesmo. Durante uma hora ou mais, eram apresentados programas nos quais se davam a conhecer aos espectadores as grandes figuras das artes e das letras, fossem esses portugueses ou estrangeiros, contemporâneos ou antigos. Em síntese, eram outros tempos, aos dias hoje nas TV’s, ninguém quer saber de artes e letras para nada.
Mas voltando a 1994, aos arquivos, encontrámos um desses episódios dedicado a Nadir Afonso. Se o virmos hoje é tão atual como o era naquele momento. Como diria o artista "O tempo não existe". Se o tempo não existe, com certeza que será uma hora bem passada a ver esse documentário de outrora. Aqui fica:
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